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    ARTUR MONTE CARDOSO 

    Burguesia brasileira nos anos 2000  – um estudo de grupos

    industriais brasileiros selecionados

    Campinas2014

     

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    Esta dissertação é dedicada

    à memória do meu avô,

    Milton Monte,

     brasileiro e amazônida exemplar,

    e eterno professor

    da disciplina “Felicidade”. 

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    Agradecimentos

    Ao meu professor, orientador e camarada Plinio Soares de Arruda Sampaio Jr. O  jefe 

    Plinio foi responsável por me introduzir aos pensadores da formação e por lançar o desafio de

    compreender a burguesia brasileira como forma de buscar respostas aos desafios da revolução

     brasileira. Agradeço por seu exemplo de um Mestre tão raro hoje na universidade, por sua

    amizade e pela orientação precisa até a última hora.

    Ao professor Fernando Cezar de Macedo Mota, por aceitar gentilmente presidir a

     banca, pelas sugestões e críticas ao trabalho e pelo incentivo que me deu desde a monografia. Ao

     professor Edgard Pereira, que participou decisivamente do exame de qualificação e da banca.

    Particularmente por me motivar a apresentar claramente minha visão sobre o processo de

    reversão neocolonial, pelas inúmeras sugestões de organização do trabalho e pelos desafios

    lançados para a agenda de pesquisa futura. Ao professor Julio Sergio Gomes de Almeida, pelos

    conselhos no exame de qualificação, ao apontar os limites do meu trabalho, revelando a

    complexidade da burguesia brasileira e por dar a confiança de que a seleção dos grupos permitiria

    explorar o problema pretendido. Ao professor Sebastião Velasco e Cruz, do IFCH/Unicamp, por

    aceitar prontamente participar da banca e, principalmente, pelas críticas que impulsionam o

     pesquisador a aprimorar o seu conhecimento e os seus argumentos.Aos meus antigos colegas da Refinaria de Paulínia (REPLAN), na Petrobras, pela

    acolhida no primeiro emprego e pelo apoio ao meu retorno aos estudos. Em especial, à Rosana

    Macedo, à Dirce Frasseto e demais colegas da Engenharia; à minha equipe da Dotec: Ana Paula

    Silva, Aparecida Serafim (Cida), Luis Abner, Marselha Costalonga e em especial Daniele Paduan

    Machado, minha professora e amiga; aos colegas arquivistas: Marco Marsari (IERN), Elisa e

    Marcelo (REVAP), Rômulo (REDUC) e Teresa (RLAM); e aos colegas do concurso (os "TAC

    Jr."), Bruno Cruvinel, Carlos Polidoro, Luis Clemente, Lincoln Sakai, Marcus Vinicius

    Fernandes, Monique Menendez, Tadeu di Giacomo e Thiago Pinho.

    Aos trabalhadores e trabalhadoras do Instituto de Economia da Unicamp, em especial

    da Pós-Graduação, Biblioteca e Informática, pelo trabalho invisível aos olhos dos estudantes, mas

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    crucial para nossas atividades. Ao me tornar eu mesmo funcionário é que tive a dimensão de quão

    imprescindíveis são os servidores técnico-administrativos na universidade.

    Aos colegas do Instituto de Física “Gleb Wataghin” da Unicamp. No Apoio

    Financeiro (SFP), tive todo o apoio, generosidade e amizade de Alcides Nascimento, EduardoAlfredo, Eduardo Sakanaka, Eduardo Spinelli, Ivone Pereira, Miguel Gonçalves Filho, Vasco

    Queiroz e em especial de Marlene Capodali, minha professora dedicada e exemplo de servidora

     pública. Aos demais colegas do IFGW, muito obrigado pelo grande ano que passei por lá.

    Aos colegas da pós-graduação do IE, em particular aos da turma Teoria 2011  –  

    Fernando Chafim, Ítalo Pedrosa, Julia Bellinetti, Leon Egidio, Lídia Brochier e Pedro Loureiro  –  

    e aos do doutorado –  Leonardo Bispo e Marina Sequetto  –  pela amizade ao longo do curso. Aos

    colegas do “Futebol da Pós”, por me permitir o retorno aos gramados em tão boa companhia.

    Aos colegas do Grupo de Estudos "Florestan Fernandes" (GEFF): João Paulo

    Camargo Hadler, Leandro Ramos Pereira, Gustavo Zullo, Henrique Braga, Jaime León, Jean

    Peres, Joana Salém, Mauricio Esposito, Rebeca Bertoni, Sarah Franciscangelis, Tatiana

    Henriques e Theo Lubliner. Foram todos indispensáveis para que este trabalho fosse adiante e

    responsáveis por algumas das observações e críticas mais importantes. Em especial ao João

    Paulo, ao Leandrão e ao Jean, por sua amizade de longa data, as discussões e as críticas.

    Aos camaradas do Coletivo Domínio Público e do PSOL, em especial do Coletivo

    Primeiro de Maio. Sua luta firme pela revolução brasileira inspira e orienta a formação intelectual

    do militante. Agradeço por tolerar a minha ausência em tempos árduos, na esperança de que este

    trabalho ajude a entender melhor a realidade que queremos transformar.

    À minha mãe, Ana Rosa Monte Cardoso, e ao meu pai, José Maria Machado Cardoso

    Jr., por proporcionarem tudo a seu alcance para nos dar a melhor educação. Aos meus irmãos

    Felipe e Daniel, que são minha vida, por sua amizade e pelas boas conversas.

    Ao irmão "adotivo", Caio Matsui, pela alegria e sua imensa amizade.

    À Thalita, companheira querida, por atravessar ao meu lado todas as batalhas nosúltimos anos, pelo apoio desde a prova da Anpec até a redação final da dissertação, por insistir

    em adotar a nossa cadela Fera e pelo amor paciente e persistente.

    Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela

     bolsa de estudos concedida para o Mestrado.

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     A “burguesia nacional”, tal como é

    ordinariamente conceituada, isto é, como força essencialmente antiimperialista e porisso progressista, não tem realidade no Brasil, e não passa de mais um destes mitoscriados para justificar teorias preconcebidas;quando não pior, ou seja, para trazer, com

     fins políticos imediatistas, a um correlato eigualmente mítico “capitalismo

     progre ssista”, o apoio das forças políticas populares e de esquerda.

    Caio Prado Júnior(A Revolução Brasileira)

     Enquanto houver burguesia Não vai haver poesia

    Cazuza( Burguesia) 

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    RESUMO:  Esta dissertação pretende contribuir para a discussão sobre o caráter da burguesia

     brasileira nos anos 2000 e, desta forma, entender o sentido, os limites e as possibilidades do

    capitalismo brasileiro contemporâneo. Para isso, é apresentado um estudo de quatro dos maiores

    grupos industriais privados do Brasil: Vale (mineração), JBS (agronegócio/carnes), Gerdau(siderurgia) e Cosan (agronegócio/sucroalcooleiro). A intenção é fornecer elementos concretos

     para uma melhor compreensão sobre o caráter da burguesia brasileira.

    A investigação dos grupos se concentrou na compreensão da base material da burguesia e sua

    força relativa frente aos demais capitais. Foram mapeados os mercados, a base produtiva e a base

    financeira, os vínculos com o Estado e a estratégia de cada grupo no período de estudo. As

    informações foram extraídas de dados públicos das companhias, de relatórios de instituições

    governamentais e internacionais, da imprensa especializada e de estudos acadêmicos.

    Para embasar teoricamente esta discussão, foram utilizados quatro autores da tradição da

    formação nacional: Nelson Werneck Sodré, Caio Prado Jr., Celso Furtado e Florestan Fernandes.

    A hipótese é que a burguesia brasileira combina o aproveitamento de oportunidades de negócios

    gerados pela dependência externa com a exploração predatória da força de trabalho e do meio

    ambiente, bem como a mobilização arbitrária dos recursos do Estado, caracterizando-se como

    uma verdadeira burguesia dos negócios.

    A pesquisa aponta que os grupos aproveitam oportunidades dentro de um processo de

    desindustrialização e reprimarização, mas são incapazes de controlar variáveis estratégicas da

    acumulação, os que as torna vulneráveis às oscilações internacionais. O impulso dos seus

    mercados foi resultado direto do ciclo econômico internacional, via elevação da demanda e dos

     preços, ou indireto, através do surto de crescimento interno. Sua base produtiva é em segmentos

    de tecnologia simples, livre e com baixos encadeamentos. Sua base financeira foi principalmente

    o capital financeiro internacional, como o apoio complementar de recursos oriundos do Estado.

    Por fim, a estratégia de crescimento dos grupos, inclusive de internacionalização, se deveu ao

     processo de aquisição de concorrentes e não de construção de capacidade produtiva, chegando aocaso extremo de associação direta com o capital internacional.

    PALAVRAS-CHAVE: burguesia brasileira; desenvolvimento econômico; reversão neocolonial;

    Cosan; Vale; Gerdau; JBS.

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    ABSTRACT:  This dissertation aims to contribute to the discussion about the character of the

    Brazilian bourgeoisie in the 2000s and thus understand the direction, the limits and possibilities

    of contemporary Brazilian capitalism . For this, it is presented a study on four of the largest private industrial economic groups in Brazil: Vale (mining) , JBS (agribusiness/meat) , Gerdau

    (steel) and Cosan (agribusiness /sugar and ethanol). The intention is to provide concrete elements

    for a better understanding of the character of the Brazilian bourgeoisie.

    The research of the groups has focused on understanding the material basis of the bourgeoisie and

    its relative strength compared to other capitals. Markets, the productive base and financial base,

    the ties with the State and the strategy of each group were mapped for the analyzed period. The

    information is drawn from public companies' data, governmental, international institutions and

    associations reports, specialized media and academic studies about the selected companies .

    The theoretical basis for this discussion uses four authors of the national formation tradion:

     Nelson Werneck Sodré, Caio Prado Jr., Celso Furtado and Florestan Fernandes. The hypothesis is

    that the Brazilian bourgeoisie combines the advantage of business opportunities generated by the

    external dependency with the predatory exploitation of the workforce and the environment, as

    well as arbitrary mobilization of state resources, characterizing itself as a true business

     bourgeoisie.

    The research shows that groups seize opportunities within a process of deindustrialization and

    reprimarization, but are unable to control the strategic variables of the accumulation, which

    makes them vulnerable to international fluctuations. The thrust of its markets was a direct result

    of the international economic cycle, via rising demand and prices, or indirect result, through the

    outbreak of internal growth. Its productive base is located in segments of simple, free and low

    technologies, with low linkages. Its financial base was mainly international financial capital, as

    the additional support of funds from the State. Finally, the growth strategy of the group, including

    internationalization, was due to the acquisition process and not bulding of productive capacity,reaching the extreme case of direct association with international capital.

    KEYWORDS: Brazilian bourgeoisie; development; neocolonial reversion; Cosan; Vale; Gerdau;

    JBS.

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    Lista de Tabelas

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    Tabela 1. 200 maiores grupos no Brasil em 2011, por receitas (R$ mi), por setores e

     país de origem do controlador 69

    Tabela 2. 200 maiores grupos econômicos no Brasil em 2011, por receitas (R$ mi) 70

    Tabela 3. Maiores grupos industriais de controle brasileiro privado por receitas (2011) 71

    Tabela 4. Setores mais mencionados nos grupos industriais privados brasileiros (2011) 72

    Tabela 5. 10 maiores grupos industriais privados brasileiros (2011) 73

    Tabela 6. Posição da Cosan no ranking dos 200 maiores grupos no Brasil (em receitas) 76

    Tabela 7. Cosan –  endividamento por tipo (%) 79

    Tabela 8. Cosan - Receita Operacional Líquida do setor Açúcar e Álcool (%) 80

    Tabela 9. Cosan –  Principais compradores de Açúcar (%) 80

    Tabela 10. Cosan –  Principais compradores de Etanol (%) 81

    Tabela 11. Cosan - Receita Operacional Líquida (ROL) por segmento (%) 84

    Tabela 12. Posição da Vale no ranking dos 200 maiores grupos no Brasil (em receitas) 85

    Tabela 13. Vale –  exportações de minério de ferro, por região (milhões de ton.) 86Tabela 14. Vale - Minério de Ferro e Pelotas  –   índice de quantidades e preços

    (2001=100) 87

    Tabela 13. Vale –  valor das aquisições por ramo (em US$ de 2012) 90

    Tabela 14. Vale –  Endividamento Geral e algumas categorias (US$ mi) 91

    Tabela 15. Posição da Gerdau no ranking dos 200 maiores grupos no Brasil (em

    receitas). 93

    Tabela 16. JBS –  Posição no ranking dos 200 maiores grupos no Brasil (por receita) 104

    Tabela 17. Principais Exportadores e Importadores de carne bovina 107

    Tabela 18. JBS –  Capacidade de abate diário por segmento e região (%) 110

    Tabela 19. JBS - Composição do Controle Acionário 111

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    Lista de Gráficos

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    Gráfico 1. Brasil –  exportações de açúcar –  físicas (mi ton.) e valor médio (US$/ton) 77

    Gráfico 2. Vale –  Receita bruta por país ou região (em US$ mi correntes) 88

    Gráfico 3. Vale –  Receita bruta por produto (em US$ mi correntes) 89

    Gráfico 4. Produção Mundial de Aço Bruto (inclui todos os tipos), em mil ton. 96

    Gráfico 5. Distribuição do valor dentro da cadeia –  integrada ( Hot-Rolled Cold Steel ) 97

    Gráfico 6. Capacidade produtiva (efetiva) e demanda mundiais por aço 98

    Gráfico 7. Aço –  Vendas internas por setor - maiores setores, exceto distribuidores (%) 99

    Gráfico 8. Gerdau –  Endividamento bruto e endividamento líquido (US$ mi) 101

    Gráfico 9. Gerdau –  Indicadores de margem (%) 102

    Gráfico 10. Oferta mundial de carne por tipo (bilhões de toneladas) 105

    Gráfico 11. Preços mundiais de carnes (termos reais) –  em US$/ton. 106

    Gráfico 12. JBS - Receitas líquidas, Resultados e Lucro/Prejuízo (em R$ bilhões) 109

    Gráfico 13. JBS –  Margens Operacional, EBITDA e Líquida (%) 113

    Gráfico 14. JBS –  Dívida Bruta (R$ mi) e razão Dívidas Bruta e Líquida/EBITDA (%) 114

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    Lista de figuras

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    Figura 1. Bovinos - Fluxos de Comércio, inclusive vivos (2011-2012) 108

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    Sumário

    Introdução 1 

    Capítulo 1: Burguesia brasileira: dependência e negócios 7 

    1.  Introdução 7 

    2.  A problemática da formação 9 

    3.  A burguesia brasileira sob a ótica da formação 14 

    3.1.  Nelson Werneck Sodré: burguesia nacional na revolução democrática enacional  15 

    3.2.  Caio Prado Júnior: burguesia subordinada e oportunista  19 

    3.3.  Celso Furtado: a burguesia dependente e subdesenvolvimento  26 

    3.4.  Florestan Fernandes: burguesia dependente e a contrarrevolução permanente  31 

    4.  Burguesia brasileira: dependência e negócios 36 

    Capítulo 2: Burguesia brasileira e reversão neocolonial 43 

    1.  Introdução 43 

    2.  A crise do desenvolvimento brasileiro como tendência à reversão neocolonial 44 

    3.  Os anos 2000 e o neodesenvolvimentismo 49 

    3.1.  O neodesenvolvimentismo  49 

    3.2.  Uma crítica à origem do crescimento nos anos 2000  52 

    3.3.  Uma crítica à natureza do pensamento neodesenvolvimentista  56 

    4.  Reversão neocolonial nos anos 2000 59 

    Capítulo 3: Estudo de grupos industriais selecionados da burguesia brasileira 65 

    1.  Introdução 65 

    2.  Os maiores grupos econômicos no Brasil 65 

    2.1.  O conjunto dos maiores grupos econômicos no Brasil  65 

    2.2.  Os maiores grupos da burguesia brasileira na indústria  68 

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    3.  Metodologia de pesquisa 72 

    4.  Síntese dos grupos selecionados 74 

    4.1.  Cosan  74 

    4.2.  Vale  83 

    4.3.  Gerdau  90 

    4.4.  JBS  102 

    5.  Discussão 112 

    Considerações finais 119 

    ANEXOS 129 

    ANEXO A: Grupo Cosan 177 

    1.  Introdução 178 

    2.  Histórico 178 

    3.  Mercados principais 180 

    3.1.  Açúcar e Etanol  180 

    3.2.  Distribuição de Combustíveis  191 

    4.  Crescimento e transformações 193 

    5.  Base Produtiva 202 

    5.1.  Setor sucroalcooleiro 204 

    5.2.  Distribuição de combustíveis 206 

    5.3.  Lubrificantes 207 

    5.4. 

    Logística para açúcar, etanol e outras commodities 208 

    5.5.  Imobiliário Rural 209 

    5.6.  Distribuição de gás natural 210 

    6.  Base Financeira 211 

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    7.  Síntese 215 

    8.  Referências Bibliográficas 218 

    ANEXO B: Grupo Vale 221 

    1.  Introdução 222 

    2.  Histórico 223 

    3.  Mercados 224 

    3.1.  Minério de Ferro e Pelotas  225 

    3.2.  Níquel  229 

    3.3.  Fertilizantes  232 

    4.  Crescimento e transformações 237 

    5.  Base produtiva 246 

    6.  Base financeira 250 

    7.  Síntese 253 

    8.  Referências Bibliográficas 255 

    ANEXO C: Grupo Gerdau 257 

    1.  Introdução 258 

    2.  Histórico 258 

    3.  Mercado 261 

    3.1.  Panorama da produção e consumo mundiais  261 

    3.2.  Processos e produtos do aço  264 

    3.3.  Custos e Preços na Siderurgia  267 

    3.4. 

    A capacidade ociosa e a queda na rentabilidade  270 

    3.5.  O mercado brasileiro  276 

    4.  Crescimento/Transformações 280 

    5.  Base produtiva 288 

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    6.  Base Financeira 292 

    7.  Síntese 295 

    8.  Referência Bibliográficas 298 

    ANEXO D: Grupo JBS 303 

    1.  Introdução 304 

    2.  Histórico 304 

    3.  Mercado 306 

    3.1.  Visão geral do mercado  307 

    3.2.  Comércio internacional  312 

    3.3.  Dinâmica dos preços  316 

    3.4.  A cadeia da carne bovina  319 

    4.  Crescimento/Transformações 324 

    5.  Base produtiva 333 

    6.  Base financeira 337 

    7.  Síntese 341 

    8.  Referências Bibliográficas 343 

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    Introdução

    Após uma geração inteira de profunda crise econômica e social  –   uma crise de

    destino, diria Celso Furtado –  o Brasil aparentemente encontrara novos rumos no início dos anos

    2000. Sob o comando da força política que polarizara a transição da ditadura para a Nova

    República, o país voltou a ter algum crescimento econômico, a gerar empregos, ampliar salários e

    reduzir a desigualdade, ainda que de forma tímida e insuficiente. A atração de investimentos, o

    desempenho das exportações e a aparente busca por uma política externa independente e solidária

    com o terceiro mundo e os “emergentes” pareciam levar o país a se distanciar de sua história de

    submissão e apontar um futuro de protagonismo e soberania. Criou-se um clima e uma

    expectativa de que as mudanças tivessem vindo de forma definitiva e que apontassem para umavirada histórica. A palavra “desenvolvimento”, tão esquecida e deturpada nas décadas anteriores,

    voltava à cena, carregada de otimismo e confiança. No final da década de 2000, era corrente entre

    os políticos e intelectuais identificados com o governo a especulação sobre um

    “neodesenvolvimentismo” em curso, projeto e realidade de um país que crescia com distribuição

    de renda e soberania nacional1.

    A ideia de que estava em curso um projeto neodesenvolvimentista no Brasil, ou

    mesmo que ele ainda fosse projeto, mas um projeto inscrito nas novas possibilidades do país,

    tinha diversas implicações para o pensamento e para as forças sociais e políticas comprometidas

    com a solução dos problemas históricos do país. Os traços estruturais do subdesenvolvimento e

    da dependência, a posição subordinada do país ao grande capital internacional e um padrão social

     baseado na segregação, na desigualdade e na intolerância, persistiram mesmo após muitos anos

    de industrialização, urbanização, crescimento acelerado e modernização, sendo apenas

    reequacionados, repostos ou mitigados. Estaria esta dupla articulação, estes dois pilares da

    sociedade brasileira, em modificação? Todo o pensamento neodesenvolvimentista afirmava, em

    resposta, que não se tratava mais de um novo período de crescimento com subordinação externa eexclusão social, mas de um período de crescimento com soberania e com integração social. Ao

    mesmo tempo, questões fundamentais não se resolviam em definitivo ou mesmo davam sinais de

    1 Ver: Oliva (2012b), Sader e Garcia (2010),

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    retroceder: não se executava a reforma urbana, a reforma agrária e não se garantiam direitos

    sociais; não se resolvera a posição subordinada da economia brasileira, a desindustrialização, a

    reprimarização da economia, a submissão do Estado ao pagamento da dívida em detrimento dos

    investimentos sociais, entre outros2.Para além das contradições do processo, um grande problema persistia em aberto: se

    se tratava de um novo período desenvolvimentista, quem seria seu protagonista? Na concepção

    clássica do desenvolvimentismo, anterior à ditadura militar, a resolução dos problemas históricos

     passava pela constituição de um Estado nacional correspondente a uma revolução democrática e

    nacional liderada pela burguesia nacional3. A burguesia nacional seria a classe capitalista cujos

    interesses estratégicos no mercado nacional motivariam o enfrentamento da submissão ao

    imperialismo e do atraso cuja marca era o latifúndio. Obviamente que uma revolução de caráter

    democrático e nacional capaz de promover um desenvolvimento no sentido mais forte da palavra

     –   a capacidade de uma sociedade controlar seu próprio destino, conciliando capitalismo,

    democracia e soberania4  –   exigiam a participação das classes populares. Mas enquanto se

     baseasse nos marcos de uma sociedade capitalista, nenhum desenvolvimento com um grau

    relativo de autonomia seria possível sem uma classe burguesa com base material para permiti-lo e

    um projeto político para conduzi-lo.

    Ao questionamento sobre qual burguesia seria o alicerce do novo momento, o

    neodesenvolvimentismo não apresentou resposta segura. Fixado em problemas concernentes à

    execução da política econômica, o neodesenvolvimentismo pouco tratou acerca de problemas

    estruturais, esquecidos por uma longa histórica de crise da teoria do desenvolvimento 5.As

    diferentes correntes do pensamento neodesenvolvimentista se preocuparam em contrapor

    rentismo ao empreendedorismo produtivo, buscando a união da classes trabalhadoras em prol do

    crescimento sob a ação do Estado na melhor tradição keynesiana6, mas qual burguesia? A

     burguesia que prosperou aos pés da industrialização comandada pelas transnacionais7? A

     burguesia que consolidou seu poder a partir de um delicado equilíbrio entre a negociação dos

    2 Cf. Sampaio Jr. (2012c).3 Cf. Ianni (1984) e Sodré (1964).4 Cf. Furtado (1981).5 Cf. Sampaio Jr. (1999c; 2012b).6 Cf. Monte-Cardoso (2013).7 Cf. Furtado (1972).

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    termos de dependência externa e a superexploração do trabalho8? A burguesia que sobreviveu e

    enriqueceu às custas do rentismo fundado sobre o endividamento público nos anos 1980 9? A

     burguesia que resolveu seu impasse frente à nova ordem mundial optando por ingressar de

    maneira subalterna na globalização, abrindo mão do patrimônio nacional público e privado10?Para além do grande debate que estava por ser feito, havia um problema: a incrível

    falta de estudos que mostrassem concretamente as potencialidades da burguesia brasileira dos

    anos 2000 e em especial os seus limites. Houve, sim, uma farta produção de trabalhos acerca da

     burguesia brasileira que ascendeu à condição de capital com presença internacional, desde

    aqueles mais apologéticos de um capital brasileiro superpotente até as visões críticas do que seria

    um imperialismo brasileiro. Mas pouco se buscou para compreender de onde partem estes

    capitais, qual sua lógica de acumulação, quais os nexos estabelecidos com os mercados nacional e

    internacional, com o capital financeiro internacional, o Estado e as classes trabalhadoras.

    Esta dissertação tem como objetivo contribuir para o entendimento da natureza da

     burguesia brasileira a partir de elementos empíricos sobre o funcionamento de grandes grupos

    econômicos brasileiros nos anos 2000. Será feita uma análise qualitativa de quatro grande

    empresas de controle brasileiro: a Cosan, originária do setor sucroalcooleiro, a Vale, do ramo de

    mineração, a siderúrgica Gerdau e a JBS, do setor de frigoríficos. Esta análise tentará delinear, a

     partir de dados públicos das empresas, quais foram o seu padrão de acumulação, sua base

    tecnológica e financeira, sua participação nos mercados interno e externo, suas vantagens e

    desvantagens competitivas, sua participação na cadeia produtiva. A partir da pesquisa de cada

    grupo serão elaboradas sínteses que permitirão discutir se há algum padrão desta burguesia e qual

    é ele.

    O trabalho será fundamentado por autores da tradição da  formação: Nelson Werneck

    Sodré, Caio Prado Júnior, Celso Furtado e Florestan Fernandes. Pensamento motivado pela busca

     pela compreensão dos processos históricos que bloqueiam a capacidade da sociedade brasileira de

    conquistar uma autonomia relativa frente ao todo e estruturar sua economia em função dasnecessidades de uma sociedade integrada, a tradição da problemática da formação se fundamenta

    8 Cf. Fernandes (1976).9 Cf. Belluzo e Almeida (2002).10 Cf. Gonçalves (1999) e Biondi (1999).

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    no estudo da História brasileira e na busca das permanências dos traços estruturais herdados do

     passado colonial e nunca superados: a dependência externa e a segregação social interna11. As

    hipóteses mais gerais para interpretação da pesquisa dos grupos serão retiradas das análises feitas

     por estes autores sobre a natureza da burguesia brasileira.Contudo, não seria possível extrapolar diretamente destes autores os elementos que

     possam guiar a interpretação dos resultados obtidos. A distância temporal e a necessidade de

    realizar análises fundamentadas na história exigem elaborações feitas em cima das tendências em

    curso no século XXI, ou pelo menos sobre as manifestações das tendências de longo prazo.

    Identificado com a problemática da formação e com o esforço de compreensão de como as

    tendências da nova ordem mundial pós-Guerra Fria e a transnacionalização do capital impactam

    as possibilidades da superação da dependência e do subdesenvolvimento, tomaremos como base

    as reflexões que apontam para o risco de que o Brasil passe por um verdadeiro processo de

    reversão neocolonial12. A hipótese elaborada para os anos 2000 é que a nova ordem internacional

    tem impactado a capacidade de sociedades da periferia de se defenderem das tendências

    antinacionais e antissociais do capital13. O resultado é o aparecimento de fortes tendências a

     processos de reversão neocolonial, entendidas como o bloqueio da capacidade das sociedades e

    do Estado nacional de colocarem a acumulação de capital a serviço da integração nacional e de

    garantia de direitos e a promoção de políticas sociais14. Ao reduzir drasticamente a autonomia

    relativa das burguesias locais, como a burguesia brasileira, a transnacionalização do capital e a

    integração das sociedades periferias a esta nova lógica global de acumulação condiciona estas

     burguesias a se tornarem “burguesias dos negócios”, mais dependentes do capital internacional e

    altamente dependentes das oportunidades de negócios abertas pela globalização, em especial o

    comércio exterior, a especulação com ativos financeiros e a venda de patrimônio público e

     privado.

    11 Cf. Ianni (1992) e Sampaio Jr. (1999a, 1999b).12 A hipóteses de que o processo de liberalização compromete a formação econômica do Brasil foi precocementelevantada por Celso Furtado em livro “Brasil: a construção interrompida” (FURTADO, 1992). A r eflexão de Pliniode Arruda Sampaio Jr. sobre o impacto da nova etapa de desenvolvimento capitalista sobre o Brasil desenvolve aideia sobre os condicionantes e as consequências do processo de reversão neocolonial (SAMPAIO JR., 1999a).13 Cf. Sampaio Jr. (1999b, 2007, 2011) e Hadler (2012).14 Cf. Sampaio Jr. (1999b, 2012a).

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    Esta dissertação está dividida em três capítulos e os anexos. No capítulo 1 será feita

    uma revisão bibliográfica dos autores mencionados, precedida de uma pequena apresentação da

     problemática da formação, paradigma de compreensão dos problemas da sociedade brasileira que

    é usado neste trabalho. No capítulo 2, será mostrado como a nova ordem mundial, marcada pelatransnacionalização do capital e pelo fim da Guerra Fria, compromete o destino das sociedades

    dependentes, em particular do Brasil. Será feita breve apresentação do pensamento

    neodesenvolvimentista, representante máximo da visão de que o Brasil passou por uma mudança

    histórica nos anos 2000, que será contraposta por leituras críticas aos fundamentos do ciclo de

    crescimento do período, bem como da natureza de um pensamento desenvolvimentista. O

    capítulo é finalizado com uma discussão sobre a natureza do processo de reversão neocolonial e a

    tendência à consolidação das burguesias dependentes como “burguesia de negócios”. No capítulo

    3, serão apresentados a seleção dos grupos estudados, a metodologia da pesquisa, a síntese da

     pesquisa de cada grupo e uma discussão final sobre os resultados. Por fim, serão apresentadas as

    considerações finais.  Os Anexos A, B, C e D  correspondem aos relatórios de pesquisa dos

    grupos Cosan, Vale, Gerdau e JBS, respectivamente. São estes anexos que deram base para a

    apresentação da síntese da pesquisa no capítulo 3.

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    Capítulo 1: Burguesia brasileira: dependência e negócios 

    1.  Introdução

    Este capítulo tem como objetivo delimitar um marco teórico de compreensão sobre o

     papel da burguesia brasileira no desenvolvimento nacional. Serão reunidas reflexões sobre qual é

    o raio de ação da burguesia brasileira e, dentro dele, quais são as decisões estratégicas e como

    isso influencia a dinâmica econômica brasileira, para, com isso, lançar hipóteses sobre qual pode

    ser o espaço histórico desta classe no período estudado neste trabalho. Esta tarefa será executada

    assumindo como paradigma para a compreensão dos dilemas do desenvolvimento brasileiro a

     problemática da formação e resgatando a contribuição de quatro dos grandes pensadores destalinha, extraindo deles elementos essenciais para o entendimento da burguesia brasileira.

    A problemática da formação é o paradigma de uma tradição do pensamento brasileiro

    que teve por base a necessidade histórica de constituição de um Estado nacional como saída

    construtiva e como solução efetiva para os problemas históricos da sociedade brasileira. Neste

    trabalho utilizaremos, especificamente, a leitura feita por Plinio de Arruda Sampaio Jr.

    (SAMPAIO JR., 1999a; 1999b; 2012a) sobre o problema da formação15. Em síntese, trata-se de

    compreender quais os fatores que bloqueiam a autonomização relativa da sociedade brasileira

    frente à totalidade do mundo capitalista, que permitirá concluir a longa transição do Brasil

    colônia de ontem para o Brasil nação de amanhã. Deste ponto de vista, a consolidação do Brasil

    como nação exige a constituição de bases econômicas, sociais, políticas e culturais que consigam

    colocar os meios e os fins do desenvolvimento a serviço da coletividade. Para tanto, faz-se

    urgente o enfrentamento da dupla articulação: a dependência externa e a segregação social interna

     –  os dois nós que atam a sociedade brasileira ao passado, que repõem seus dilemas no presente e

    que a ameaçam permanentemente de promover um processo de reversão neocolonial , saída

    negativa deste impasse histórico16.

    15 Uma boa panorâmica da tradição da formação pode ser encontrada no trabalho de Octavio Ianni (1992). Algunstrabalhos paradigmáticos da tradição são: Prado Jr. (1942; 1966), Furtado (1959) e Fernandes (1976).16 Para uma leitura sobre como a noção de reversão neocolonial aparece na tradição da formação, ver Sampaio Jr.(1999b).

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    O ponto de vista da formação foi um dos mais influentes do pensamento brasileiro e

    mesmo latino-americano17  durante o período do século XX marcado pela industrialização por

    substituição de importações. Contudo, os acontecimentos motivados na economia pelo

    aprofundamento do papel do capital transnacional  –   e consequentemente dos vínculos dedependência  –   e na política pela rodada de ditaduras militares inaugurada pelo Brasil em 1964

    abriu espaço para uma revisão na abordagem dos problemas do desenvolvimento, mobilizando

    uma abordagem que propunha uma terceira via da conjugação da dependência externa com

    desenvolvimento18. À crise do desenvolvimento, como vista pela ótica da formação,

    correspondeu uma crise da teoria do desenvolvimento19, que por diferentes caminhos subestimou

    os alertas feitos aos limites do desenvolvimento dependente e superestimou as possibilidades do

    capitalismo latino-americano, em particular o brasileiro20. As décadas de crise econômica, social

    e política que se seguiram aos anos 1970 e os processos acelerados de crise social, rural e urbana,

    fiscal e externa, abertura, desnacionalização e privatização, entre outros processos, só deixam

    claro que os problemas próprios do subdesenvolvimento e da dependência estiveram e estão

    longe de ser resolvidos.

    O retorno a alguns dos pensadores da formação se faz necessário e urgente para

    ajudar a lançar luz acerca de qual é o raio de ação do capitalismo brasileiro e quais podem ser as

    escolhas das classes envolvidas nos conflitos que decidirão o futuro do país. Estudaremos em

     particular as contribuições de Nelson Werneck Sodré, Caio Prado Júnior, Celso Furtado e

    Florestan Fernandes acerca dos problemas do país, suas possíveis soluções e em particular o

     papel histórico cumprido neste processo pela burguesia brasileira  –   entendida como a classe

     burguesa local , sem qualificativo21. Suas visões contribuirão para montar o marco teórico

    17 Na América Latina, o correspondente esforço teórico, intelectual e político do pensamento da formação teve comoexpressão a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL).18 Para conhecer uma obra que sintetiza a inauguração desta nova abordagem, ver Cardoso e Faletto (1970). Para

    uma das principais referências dos desdobramentos desta abordagem no pensamento econômico brasileiro, ver asobras da escola do “Capitalismo Tardio”: Cardoso de Mello (1982), Tavares (1986), Lessa e Dain (1984). 19 Cf. Sampaio Jr. (1999c).20 Para uma abordagem crítica de uma tradição distinta da formação que também superestimou as possibilidades docapitalismo brasileiro, ver Marini (1969, 1973a, 1973b, 1977a, 1977b). Para uma crítica às abordagens dadependência de Cardoso e Marini por uma ótica da formação, ver Hadler (2013).21 Como já foi mencionado na introdução desta dissertação, por burguesia brasileira entendemos a classe capitalistalocal, o que não é idêntico a uma burguesia nacional , que é uma categoria de análise carregada de qualificações. Veradiante o item sobre Sodré.

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    necessário para buscar as explicações dos fenômenos que encontramos na pesquisa empírica

    realizada no trabalho. A conclusão fundamental é que a burguesia brasileira é uma classe cuja

    constituição histórica e suas bases objetivas e subjetivas a levam a ser dependente do capital

    internacional. Dentro desta dependência, cujos termos variam de acordo com os condicionantesde cada período histórico, a burguesia possui um papel ativo caracterizado por uma estratégia

    rentista e especulativa de aproveitamento e geração de negócios em cima dos dinamismos

    irradiados pelo imperialismo, utilizando da superexploração do trabalho, dos recursos naturais e

    dos vínculos com o Estado. O problema é quando os condicionantes externos se tornam

    desfavoráveis, tornando a economia nacional suscetível a crises de reversão.

    Este primeiro capítulo se divide em três seções além desta introdução. No item 2,

    apresentaremos em linhas breves o que entendemos por problemática da formação, paradigma

    que fundamenta a forma de compreender os problemas brasileiros de todo o trabalho. No item 3,

    serão apresentadas, em quatro subitens, as visões de Sodré, Prado Jr., Furtado e Fernandes. No

    item 4 e último, será feita a reflexão que tentará extrair das contribuições apresentadas as linhas

    mestras para interpretação das possibilidades e limites do papel da burguesia brasileira no

    desenvolvimento do país.

    2.  A problemática da formação

    A problemática da formação22 explica os dilemas do Brasil contemporâneo à luz do

     processo  –   e dos bloqueios ao processo  –   de constituição de um Estado nacional capaz de

    conciliar capitalismo, democracia e soberania. Sob esta ótica, a conclusão da transição do Brasil

    colônia para o Brasil nação - uma formação social relativamente diferenciada do todo e portadora

    de força própria e existência autônoma - emerge como necessidade histórica para a resolução dos

     problemas crônicos que prendem o país ao círculo da dependência externa, da desigualdade

    social, da instabilidade e do autoritarismo. O nó reside no fato de que a constituição das bases daformação é permanentemente bloqueada pela dupla articulação que polariza as sociedades

    22 A “problemática da formação”, como está apresentada neste trabalho, deriva das interpretações de Caio Prado Jr.,Florestan Fernandes e Celso Furtado sobre o Brasil, resgatadas na tese de Sampaio Jr. (1999a). Também está

     presente de forma sintética em dois trabalhos, um contemporâneo da tese (SAMPAIO JR., 1999b) e em sua versãomais recente (SAMPAIO JR., 2012a).

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    dependentes: a condição de dependência econômica e política do capital internacional e a

    segregação social. Diante disto, compreender como o processo histórico de formação pode atingir

    sua conclusão, a revolução brasileira, exige uma reflexão teórica que explique os parâmetros de

    funcionamento do Estado nacional e uma leitura histórica capaz de explicar os problemas do presente à luz do passado. É de posse destes elementos que se torna possível propor um programa

    de transformações e identificar o conjunto de forças historicamente comprometidas e capazes de

    levar a revolução brasileira até fim, evitando que a formação inconclusa leve à uma outra saída

    histórica, regressiva: a reversão neocolonial.

    Fruto do amadurecimento da reflexão de pensadores brasileiros frente às

    transformações pelas quais passa o Brasil no século XX, em especial a partir dos anos 1930, o

     problema da  formação  da nação polarizou a consciência crítica e política nacional sobre a

    natureza das contradições econômicas, sociais e culturais, suas origens na permanência de traços

    do passado colonial e sobre a possibilidade desta sociedade controlar os meios e os fins de seu

    destino23. As mais distintas visões de matrizes diferentes que se somaram nesta elaboração

    convergem para a necessidade de entender a especificidade da condição histórica brasileira,

    entendem ser necessária a integração do conjunto da sociedade às modernas conquistas materiais

    e culturais e concluem serem necessárias transformações de fundo, estruturais, para atingir tais

    objetivos24.

    23  "O pensamento brasileiro polariza-se em torno do problema central de sua formação econômica e social: anecessidade de consolidar as condições objetivas e subjetivas que permitam à sociedade controlar o seu destino"(SAMPAIO JR., 2012a: p. 30). “Desde a Abolição da Escravatura e a Proclamação da República, mas em escalacrescente ao longo das décadas posteriores, muito estavam preocupados com a questão nacional. Interessados emrecriar o país à altura do século XX. Queriam compreender quais seriam as condições e possibilidades de progresso,industrialização, urbanização, modernização, europeização, americanização, civilização do Brasil. Apaixonados ouindiferentes, aflitos ou irônicos, perguntavam-se sobre os dilemas básicos da sociedade nacional, de uma nação quese buscava atônita depois de séculos de escravidão: agrarismo e industrialização; cidade, campo e sertão; preguiça,luxúria e trabalho; mestiçagem, arianismo e democracia racial; raça, povo e nação; colonialismo e nacionalismo;democracia e autoritarismo” (IANNI, 1992: p. 26). 24

     "Os que refletiram sobre os desafios da formação a partir de uma perspectiva democrática, de um modo ou deoutro, vincularam a construção do Estado nacional à integração do conjunto da população, em condições de relativaigualdade, aos avanços técnicos e aos valores humanistas da era moderna. Acima de suas diferenças teóricas,históricas e ideológicas, um denominador comum unifica esta visão: a idéia de que os problemas do país não serãoresolvidos sem transformações socioculturais profundas, que criem as bases de uma sociedade eqüitativa eautoreferida" (SAMPAIO JR., 1999b: p. 416). E ainda: "O pensamento sobre a formação é organizado pelacontraposição de dois estados latentes na sociedade dependente: a condição de barbárie que se deseja evitar e o

     projeto civilizatório que se pretende alcançar. O desafio das sociedades que lutam pela construção nacionalmaterializa-se na necessidade de superar o presente sombrio de um povo que não consegue ultrapassar a condição de

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    Em linhas gerais, a questão é a incapacidade de o Brasil se autonomizar frente ao

    todo, concluir a transição da colônia à nação25  e romper a dupla articulação que condiciona a

     perpetuação do subdesenvolvimento: as relações subordinadas frente ao capital internacional e a

    segregação social. O mecanismo de perpetuação da condição transitória do Brasil pode ser assimresumido:

    A questão central reside na continuidade de relações de produção que comprometem ainstauração das condições necessárias, objetivas e subjetivas, para a internalização docircuito de valorização do capital. Em última instância, o problema fica reduzido àimpossibilidade de consolidar a burguesia e o proletariado como sujeitos históricos

     plenamente constituídos. O controle dos elos estratégicos da economia pelo capitalinternacional e a presença de uma imensa superpopulação relativa em estado latente eintermitente ou que simplesmente se encontra em estado de pauperismo geram um vazioeconômico e social que impede a internalização do circuito de valorização do capital.

     Nessas condições, a formação do proletariado e da burguesia como sujeitos históricoscapazes de lutar pelos seus interesses estratégicos como classe social é solapada pelareprodução de um padrão de relação entre as classes sociais marcado pela segregaçãosocial e pela extraordinária debilidade econômica e política da burguesia em relação àssuas congêneres do capitalismo avançado. A impotência da burguesia para enfrentar oimperialismo e a cristalização de um regime de classes que separa, em dois mundosantagônicos, as classes proprietárias e não proprietárias levam o padrão de concorrênciaeconômica e de luta de classes a reproduzir as condições objetivas e subjetivas quesolapam a formação da economia e da sociedade nacional. As especificidades do padrãode acumulação de capital e de dominação de classe daí decorrentes imprimem aodesenvolvimento capitalista características próprias que comprometem seu carátercivilizatório (SAMPAIO JR., 2012a: p. 32).

    A saída histórica possível e necessária é a revolução brasileira, conclusão do processo

    de formação de um Estado nacional. Nesta visão, a noção de desenvolvimento é intrinsecamenteligado à constituição de um Estado nacional, pois este é o instrumento por excelência que as

    sociedades possuem para se defender das tendências antissociais e disruptivas do capitalismo na

    etapa imperialista26. No entanto, a consolidação do Estado nacional não é um objetivo tomado a

     priori, nem é uma fatalidade histórica. Em sociedades como a brasileira, com problemas

    estruturais (os dilemas da formação) e um conjunto de conflitos que tendem a repor tais questões,

    subnação e de aproximar-se de uma situação paradigmática, associada ao funcionamento ideal do Estado nacional” (SAMPAIO JR., 1999b: p. 415).25

     Para a leitura do sentido da História do Brasil como processo de transição da colônia para a nação, ver Prado Jr.(1942).26  “ Nesta abordagem, o espaço nacional não passa de um instrumento para proteger a coletividade dos efeitosdestrutivos das transformações que se irradiam desde o centro do sistema capitalista mundial e para planejar ainternalização das estruturas e dos dinamismos da civilização ocidental de modo condizente tanto com o aumento

     progressivo do grau de autonomia e criatividade da sociedade, quanto com a elevação da riqueza e do bem-estar datotalidade do povo. Pensada como um centro de poder que condensa a vontade política da coletividade, a formanacional é aqui - única e exclusivamente - um meio das sociedades que vivem sobredeterminadas pelo campo deforça do sistema capitalista mundial controlarem o seu tempo histórico” (SAMPAIO JR., 1999b: p. 417). 

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    a nação emerge como necessidade histórica para que possam se defender das tendências

    desagregadoras vindas de fora e de dentro27. Não se trata de um problema de como compreender

    ou impulsionar o desenvolvimento capitalista28, mas sim de colocá-lo a serviço dos interesses

    maiores da coletividade, de lhe impor limites, de subordiná-lo ao Estado nacional e à vontadecoletiva nele inscrita. Por isso que é tão importante entender teoricamente como pode funcionar

    um Estado nacional e quais são os condicionantes históricos, concretos, da existência dos Estados

    na periferia latino-americana e, mais precisamente, no Brasil.

    O fundamental, desta forma, é compreender quais são os parâmetros que norteiam

    teoricamente a constituição de um Estado nacional29, entendido como uma formação social

    relativamente diferenciada, com uma autonomia perante a totalidade e portadora de  força própria 

    e existência autônoma. Uma referência para entender esta questão é Furtado (1981) que explica o

    desenvolvimento como um processo de adequação entre meios e fins de uma sociedade 30. A

    adequação passa fundamentalmente pela correspondência entre estruturas econômicas e

    estruturas sociais. As estruturas econômicas são caracterizadas pelo processo de inovação,

     baseado na constituição de um sistema econômico nacional integrado e fundado na

    industrialização (incorporação de progresso técnico) e na concorrência. As estruturas sociais são

    caracterizadas pelo equilíbrio de forças entre capital e trabalho que dê condições objetivas e

    subjetivas (organização sindical e política) de os trabalhadores imporem a difusão dos ganhos de

     produtividade (salários reais e direitos coletivos). O mercado interno é o início e o fim do sistema

    econômico nacional e é o que permite a reprodução ampliada do capital e a força econômica

    necessária para a ascensão de uma burguesia nacional. No centro do processo, comandando o

    todo, devem existir centos internos de decisão, submetidos à vontade coletiva (suposta

    27 “Enfim, a nação surge como produto de uma necessidade histórica. Sua formação é o resultado das forças sociaisque se mobilizam para enfrentar os problemas que decorrem da falta de instrumentos para impor parâmetros sociaisao desenvolvimento capitalista. Não se trata de um destino manifesto determinado metafisicamente. O processo de

    formação é um início, o marco zero de um ciclo histórico, que aponta para um devenir possível, que pode ou não serealizar ” (SAMPAIO JR., 2012: p. 33).28 No Brasil, o desenvolvimento capitalista  atinge uma larga expressão em termos de relações de produção e dedesenvolvimento de forças produtivas, a despeito das debilidades legadas pela sua ocorrência sob o solo de umasociedade de origem colonial. Não é um problema, desta forma, de “insuficiência” de desenvolvimento capitalista,mas dos resultados deletérios do ponto de vista da integração nacional, social e regional.29 Para uma elaboração mais completa sobre esses parâmetros, consultar o capítulo 2 de Sampaio Jr. (1999a).30  Furtado (1981) mostra o desenvolvimento como adequação entre racionalidade substantiva e racionalidadeinstrumental (prefácio). Seu modelo de desenvolvimento, a diáletica inovação-difusão, é mostrada no capítulo 5.

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    democrática) e de posse de instrumentos e força para fazer política econômica e planejamento.

    Amparada por uma força econômica  –  técnica e financeira  –  de bases nacionais que a permitam

    enfrentar a concorrência externa e suportada por um Estado com capacidade de executar política

    industrial, a burguesia nacional se torna protagonista do desenvolvimento capitalista. Neste tipoideal construído por Furtado, há condições de conciliar o progresso material do capitalismo com a

    integração e soberania nacionais.

    Do ponto de vista histórico, o problema é o de identificar os fatores que bloqueiam a

    formação do Estado nacional, a sua origem e a maneira de superá-los. Da independência à

    abolição, da imigração à industrialização, o Brasil acumulou passos, mas não atingiu a condição

    de nação31. O país não superou aquilo que de essencial herdou do passado colonial, que repõe

     permanentemente sua condição transitória e que, por isso mesmo, torna tão importante o estudo

    da História para os problemas do desenvolvimento32: a dependência externa e a segregação

    interna. O problema se torna mais grave quando estes dois fatores  –   a “dupla articulação” de

    Florestan Fernandes  –   se cristalizaram como base do capitalismo brasileiro, constituído como

    capitalismo dependente, dando à revolução burguesa no Brasil um caráter de contrarrevolução

     permanente a partir de 196433. Embora a estabilidade política adquirida pela dominação burguesa,

    dados condicionantes muito especiais do momento, tenha permitido abafar as contradições que

    mobilizam a formação, ela não foi capaz de resolvê-las. As tendências à saída destrutiva para o

    impasse, a reversão neocolonial, voltam com força redobrada na medida em que muda o caráter

    31 “O Brasil ainda não é propriamente uma nação. Pode ser um Estado nacional, no sentido de um aparelho estatalorganizado, abrangente e forte, que acomoda, controla ou dinamiza tanto estados e regiões como grupos raciais eclasses sociais. Mas as desigualdades entre as unidades administrativas e os segmentos sociais, que compõem asociedade, são de tal monta que seria difícil dizer que o todo é uma expressão razoável das partes  –  se admitirmos

    que o todo pode ser uma expressão na qual as partes também se realizam e desenvolvem” (IANNI, 1992, p. 177). 32 No caso brasileiro, e em favor da preferência pela abordagem historiográfica da questão do desenvolvimento, háque acrescentar o pequeno recuo no tempo de nossa história e a intensidade com que por isso um passado ainda tãorecente pesa na situação atual cuja análise e interpretação não podem assim prescindir de suas premissas históricas.(…) o Brasil de hoje, apesar de tudo de novo e propriamente contemporâneo que apresenta –  inclusive estas suasformas institucionais modernas, mas ainda tão rudimentares quando vistas em profundidade  –   ainda se achaintimamente entrelaçado com o seu passado. E não pode por isso ser entendido senão na perspectiva e à luz desse

     passado (PRADO JR., 1972, p. 18). 33 Esta leitura está desenvolvida em Fernandes (1973), Fernandes (1974) e particularmente Fernandes (1976).

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    das estratégias do grande capital internacional que possibilitaram a industrialização brasileira34 e

    o contexto político de Guerra Fria que tornou a burguesia brasileira uma aliada necessária 35.

    A longa crise pela qual passa o Brasil desde os anos 1980 recoloca na agenda

     brasileira a compreensão de como o impasse da formação se manifesta hoje, como as tendênciasde reversão neocolonial solapam as bases objetivas e subjetivas constituídas para o Estado

    dependente e como condiciona a atuação das classes. Estes são os desafios do pensamento crítico

    comprometido com os dilemas da formação e é dentro deste quadro que este trabalho busca dar

    uma contribuição36.

    3.  A burguesia brasileira sob a ótica da formação

    O objetivo deste trabalho é compreender que papel tem cumprido a burguesia

     brasileira no desenvolvimento brasileiro atual, em particular a sua base material e sua estratégia

    de acumulação. Para isso, buscamos resgatar que papel esta burguesia brasileira, entendida como

    a burguesia local e não como uma burguesia nacional37, cumpriu ao longo do nosso

    desenvolvimento, em particular no meio século de 1930 a 1980, período que animou debates

    sobre os rumos do país. Em particular, desejamos entender como esta burguesia participou do

     processo de formação, de modo a jogar luz no que pode ser seu comportamento atual,

    considerados os determinantes –  profundos –  legados do passado.

     Nossa referência para uma burguesia comprometida com o desenvolvimento nacional

    é a do modelo apresentado no item anterior. Esta burguesia tem como principal caractere dirigir

    um sistema econômico nacional, uma estrutura integrada, baseada na indústria e cujo mercado

    estratégico é o interno38. É a interação desta burguesia com o mercado interno  –  suposto baseado

    no equilíbrio da correlação de forças entre capital e trabalho  –   que lhe impulsiona a inovar

    34

     Ver Furtado (1987; 1992). Para uma visão global de Furtado sobre o tema, ver Hadler (2012).35 Ver Sampaio Jr. (1999b: pp. 434-436).36 Ver Furtado (1992) e, na mesma perspectiva, Sampaio Jr. (1999).37  O termo “burguesia nacional” é uma categoria que carrega uma profunda caracterização sobre o papel, as

     possibilidades e o destino da burguesia brasileira. A polêmica a respeito dela pode ser sintetizada no confronto entreas posições de Nelson Werneck Sodré e Caio Prado Jr., como será mostrado adiante. Por isso utilizaremos o termo“burguesia brasileira”. 38 Não quer dizer que as burguesias nacionais não possam extroverter seu desenvolvimento, mas que sua força resideem especial no seu mercado interno.

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    (ampliar a produtividade) e o que a força à difusão (generalizando e socializando os ganhos de

     produtividade). Orquestrado por um Estado nacional capaz de fazer política econômica e

    industrial, com poder de decisão, o sistema econômico dá base financeira e técnica para esta

     burguesia enfrentar a concorrência internacional. O modelo serve como uma referência teórica para confrontar os requisitos exigidos por uma burguesia nacional, comprometida com o

    desenvolvimento, com a burguesia brasileira.

    Para extrair os traços fundamentais da burguesia brasileira, reuniremos e debateremos

    o pensamento de quatro grandes pensadores comprometidos com a formação. Nelson Werneck

    Sodré sintetiza o pensamento do PCB e de uma parcela dos nacionalistas comprometidos com a

    revolução brasileira nos marcos nacionais e democráticos, liderados por uma burguesia nacional.

     Na crítica à tese anterior, Caio Prado Júnior busca no sentido da história a chave para os dilemas

    da revolução brasileira e conclui que a burguesia brasileira não é nacional, mas subordinada,

    associada e oportunista frente aos negócios do grande capital internacional. De uma matriz de

     pensamento reformista, Celso Furtado explica como uma burguesia cultural e economicamente

    dependente das empresas transnacionais subordina a industrialização à modernização dos padrões

    de consumo e é incapaz de promover a superação do subdesenvolvimento. Por fim, Florestan

    Fernandes, teórico da revolução burguesa no Brasil, explica como a cristalização da dupla

    articulação é necessária à perpetuação da dominação da burguesia dependente, que é impotente

     para fora, mas onipotente para dentro, capaz de manejar a superexploração do trabalho, dos

    recursos naturais e o Estado em benefício próprio.

    3.1.  Nelson Werneck Sodré: burguesia nacional na revolução democrática e nacional

     Nelson Werneck Sodré39  foi um importante teórico da revolução brasileira,

    contribuindo decisivamente na elaboração da via da revolução democrática e nacional. Nesta

    concepção, a revolução passaria por uma etapa dirigida pela burguesia nacional e apoiada pelasclasses populares contra o latifúndio e o imperialismo, antes de atingir o socialismo. Para explicá-

     39 Nelson Werneck Sodré (1911-1999) foi militar, historiador e escritor. Chegou a ser general do Exército, saindoreformado em 1961. Integrou o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) desde seu início até sua extinção,em 1964, com o golpe militar (TOLEDO, 1998). Sua obra exerceu grande influência teórica sobre o PartidoComunista Brasileiro (PCB).

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    la, é preciso remontar às diretrizes fundantes do Partido Comunista do Brasil (PCB), partido

    sobre o qual o autor exerceu relevante influência e cujo programa ele assimilou e desenvolveu em

    sua obra.

    A Internacional Comunista (ou III Internacional), organização da qual o PCB erarepresentante no Brasil, formulou em seu VI Congresso em 1928 uma leitura comum para o

    conjunto dos países de baixo desenvolvimento econômico:

    Sob o influxo do BSA/IC [Birô Sul-Americano da Internacional Comunista] e com adisponibilidade dos comunistas brasileiros conformou-se então uma genérica visão quenão discernia a particularidade das formações sociais desse Ocidente subalterno que é aAmérica meridional e que, pelo contrário, observava no Brasil fortes tinturas “orientais”,enfatizando-se a força revolucionária propulsora do campesinato: era como se o Brasilfosse a China do Ocidente (DEL ROIO, 2000: p. 87).

     Neste quadro, antes de chegar à revolução socialista, tais países teriam que passar por

    uma etapa necessária de afirmação do desenvolvimento capitalista nacional.

    O caráter da revolução brasileira era definido como democrático-burguês, mas dentro

    de um país ‘semicolonial’. Sua particularidade se compunha pela questão agrária (luta contra o

    feudalismo e a grande propriedade territorial) e pelo antiimperialismo (luta pela independência

    nacional) (DEL ROIO, 2000: p. 87).

    A “revolução democrático burguesa de conteúdo antifeudal e antiimperialista”

    conduziria a um "regime democrático popular”, etapa anterior à revolução socialista  

     propriamente dita (IANNI, 1984: p. 47). A luta pelo desenvolvimento e pelo domínio de forças produtivas e relações de produção capitalistas capaz de inaugurar esse estágio histórico  –  

    conclusão da revolução brasileira  –   sintetiza o problema brasileiros para o PCB e para Nelson

    Werneck Sodré40.

    A dificuldade dessa revolução, afirmava Sodré, é que se passaria em um país de

    origem colonial e já sob a fase imperialista do capitalismo. Em “Introdução à Revolução

    Brasileira” (SODRÉ, 1967), faz uma avaliação otimista da formação nacional após décadas de

    transformações econômicas, dentre as quais menciona: a ampliação de novas técnicas no

    transporte, na agricultura, na indústria etc., embora com difusão desigual “por força da estrutura

    colonial a que estávamos subordinados”; as novas fontes de energia, como o carvão mineral e a

    40 Embora Sodré fosse um destacado elaborador teórico do programa pecebista, sua obra não é idêntica à tradição daterceira internacional ou dos documentos políticos do PCB (DEL ROIO, 2000: pp. 100-102).

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    energia hidroelétrica, embora dependente de importações do primeiro e da exploração do segundo

     por capitais estrangeiros; as alterações no comércio exterior, mais focadas as importação de

    máquinas e insumos industriais do que nas exportações, ainda concentrada no café e em outros

    gêneros primários; e, enfim, a industrialização, cujo impressionante crescimento fez seu produtosuperar o do setor agrícola, com correspondente ampliação do mercado interno (SODRÉ, 1967: p.

    103-5). Persistiam, entretanto, diversos desequilíbrios estruturais que ameaçavam impedir a

    revolução burguesa, como a existência:

    (...) de massa camponesa numericamente preponderante e principal como produtora de bens econômicos; de numerosa pequena burguesia, com função política destacada; de proletariado pouco numeroso mas crescente, com formas de organização emdesenvolvimento mas ainda fracas; de burguesia recente, ascensional, com amplas

     perspectivas nacionais. Externamente (...) de um lado, o imperialismo (...) particularmente , em nossos dias, dos Estados Unidos; e, de outro lado, de um país, hoje

    de alguns países onde se operou a construção do socialismo (SODRÉ, 1967: p. 245) No final dos anos 1950, uma série de pontos de execução fundamental para a

    revolução era indicada: desenvolvimento técnico e das fontes energéticas; industrialização e

    ampliação do setor estatal na economia para ampliar o mercado interno; mudança no padrão do

    comércio exterior e a luta contra o imperialismo (SODRÉ, 1967: p. 112). Dez anos depois, o

    autor afirmava que o significado da luta pelas reformas de base seria o de “(...) liquidar a

    dominação imperialista em nossa economia, liquidar o poder dos latifundiários como classe,

    [levar] à ampliação da base democrática do poder” (SODRÉ, 1967 : p. 231). Em sua opinião, a

    revolução democrática e nacional ainda era possível, justa e necessária.

    Para uma realização acertada dessas tarefas, era necessária uma análise detida da luta

    de classes no país que, segundo o PCB, se polarizava em duas frentes: de um lado, o

    imperialismo, apoiado pelo latifúndio e na parcela dependente da burguesia brasileira; do outro, o

     polo da revolução, composto pela burguesia nacional e pelas classes populares (proletariado e

    campesinato); no período do pós-guerra, tal análise incorporou o fortalecimento de um setor

    estatal em conflito com o imperialismo e articulado com a burguesia nacional (IANNI, 1984: pp.

    48-9). Nessa interpretação, é central o papel da burguesia nacional, entendida como “(...) a

    fração da burguesia objetivamente interessada na exploração do mercado nacional e,

    conseqüentemente, na eliminação do domínio dos monopólios imperialistas sobre esse mercado”

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    (SODRÉ, 1964: p. 368). A ela, e em especial à sua fração industrial, cabe o papel de vanguarda

    da revolução com uma dupla tarefa de luta, anti-imperialista e anti-latifundiária.

    Aprofundando essa análise em “História da Burguesia Brasileira” (SODRÉ, 1964),

    Sodré esclarece que no tocante ao latifúndio, a burguesia passara da etapa de coexistência à deantagonismo: liquidar a primeira já era uma necessidade para a segunda. O latifúndio brasileiro

    fundava-se em relações de produção pré-capitalistas, feudais, opostas à constituição de um

    mercado interno moderno. Durante largo período, essa classe esteve no poder, contrastando sua

     pujança econômica com as debilidades da economia para o mercado interno e manejando sua

    influência sobre o Estado para defender-se via “socialização dos prejuízos”. E, mesmo

    considerando concluída a ascensão da burguesia à classe dominante, o latifúndio manteve

    impressionante poder baseado na associação de interesses com o imperialismo, uma força que

    não se poderia subestimar ou desconhecer:

    Os vínculos entre latifúndio e o imperialismo, assim, são muito fortes, e a burguesia, emsua contradição com o monopólio da terra e com o que ele representa comoestreitamento de mercado e obstáculo à generalização de relações capitalistas, é obrigadoa considerar que atrás do latifúndio está o imperialismo e que, portanto, o latifúndio,débil quando encarado isoladamente, tem poderes que a razão não pode desconhecer(SODRÉ, 1964: p. 350).

    Portanto, para ampliar o mercado interno, acabando com a servidão via reforma

    agrária e garantindo o apoio camponês, a burguesia deveria enfrentar o latifúndio. E isso ela não

     poderia fazer sem enfrentar, também, o imperialismo.Dessa forma, o imperialismo aparece como principal inimigo da burguesia brasileira

    na revolução. No primeiro momento, ele buscou controlar o comércio exterior e as finanças, as

    fontes de matéria-prima e alguns setores de transporte, sufocando a burguesia nascente e

    reforçando o caráter colonial da economia. Mas com a mudança da composição do comércio

    internacional, o imperialismo altera sua estratégia para disputar também o mercado interno, via

    investimentos diretos, em especial na indústria (segunda metade dos anos 1950). E é nesta nova

    fase que o imperialismo aprofunda a especialização da economia nacional, se beneficia de altos

    lucros, subsídios e incentivos estatais e da remessa de vultosos lucros para os países de origem.

    Para isso, ele se apoia no latifúndio, na burguesia mercantil (setor sócio dos negócios

    imperialistas) e na parcela associada ou dependente da burguesia industrial. Da aliança, está

    excluída a outra parcela, nacional , da burguesia industrial.

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    Porém, o problema reside no fato de a burguesia estar no poder, mas não executar sua

    revolução até o final. Como diz Sodré (1964: p 364): “As suas vacilações e concessões decorrem

    de sua debilidade face ao imperialismo, e não de seus interesses, que são contrários aos do

    imperialismo”. Diz ainda: Seguir uma política econômica e financeira de conciliação com o Imperialismo,descarregando o fardo na classe trabalhadora e nas camadas médias é, para a burguesia,decorrência da correlação de forças. Na medida em que as forças populares resistirem auma solução desse tipo, a sua única saída consistirá em enfrentar o Imperialismo(SODRÉ, 1964: p. 365).

    A chave para o sucesso da revolução passaria, então, pela relação estabelecida entre

     burguesia e proletariado. Para o proletariado, não é possível subestimar a força das posições anti-

    imperialistas e antifeudais e superestimar o potencial revolucionário da burguesia. Aliado ao

    campesinato (ainda atrasado, mas em processo de ascensão política), o proletariado divergia da burguesia por estar mais interessado no caráter democrático da revolução. Mas Sodré sustentava

    que as forças populares poderiam e deveriam apoiar a burguesia nacional para superar suas

    vacilações e a ideologia anticomunista propagada pelo imperialismo, levando até o fim a

    revolução.

    Estava em jogo o futuro da revolução democrática e nacional e a própria existência do

    Brasil enquanto nação. Ele conclui este texto com um desafio: “(...) não é o proletariado, nem é o

    campesinato, que está com a sua sorte de classes em jogo. É a burguesia que está decidindo seu

     próprio destino”. (SODRÉ, 1964: p. 379).

    3.2.  Caio Prado Júnior: burguesia subordinada e oportunista

    A obra de Caio Prado Júnior 41  (1907-1990) é outro marco no debate sobre a

    revolução brasileira, com destaque à compreensão das origens e dos problemas de formação do

    Brasil contemporâneo. Mesmo sendo militante do PCB, ele dedicou-se a criticar as concepções

    tradicionais do partido: Caio Prado negou por completo as teses de “restos feudais” no Brasil, aestratégia de apoio e a própria existência da suposta burguesia nacional. O livro  A Revolução

    41 Caio Prado Júnior (1907-1990) foi professor de direito, escreveu sobre economia, filosofia e história, terreno ondemais se destacou intelectualmente. Militou e foi deputado estadual em São Paulo pelo PCB em 1947-48.

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     Brasileira (1966), é o acerto de contas com essas concepções e a base para apresentação de sua

    ideia de revolução.

    Caio Prado dedicou parte de sua obra para a crítica aos dogmatismos metodológicos

     presentes nas teorias do desenvolvimento econômico (PRADO JR., 1972) e nos programas domarxismo e da esquerda brasileira, em especial do PCB (PRADO JR., 1966). O dogmatismo,

    afirma o autor, foi responsável pela transplantação mecânica de análises baseadas em outras

    realidades históricas42, originando concepções e programas equivocados. Contra isso, o autor faz

    um esforço de retorno à história e sintetiza seu método como sendo o de: “(...) pesquisar na

    evolução histórica brasileira e na formação econômica e social do país, algumas premissas

    essenciais da problemática atual” (PRADO JR., 1972: p. 17). Isso por que acreditava que o Brasil

    “(...) ainda se acha intimamente entrelaçado com o seu passado. E não pode por isso ser

    entendido senão na perspectiva e à luz desse passado” (Idem : p. 18).

    Em Caio Prado Jr., a síntese da história do Brasil está no longo e profundo

    movimento de superação do passado colonial para a constituição de uma nação, que o leva a

    compreender o problema do “sentido da colonização”, exposto em  Formação do Brasil

    Contemporâneo  (PRADO JR., 1942). Para ele, o Brasil esteve inscrito desde o seu início nos

     processos de expansão do capital mercantil europeu e de constituição do capitalismo como modo

    de produção dominante mundial43. Como a economia colonial foi constituída em função dos

    interesses da metrópole, com base na plantation (produção de gêneros primários para exportação

    em latifúndios monocultores) com trabalho escravo e técnicas rudimentares e predatórias, o país

    sempre significou um grande negócio para a metrópole (e posteriormente para o imperialismo).

     No processo de superação do passado colonial, se destacam quatro marcos históricos

    no século XIX. O primeiro é a independência política em 1822, que a despeito da manutenção da

    dependência externa sob a tutela inglesa foi o primeiro passo na constituição de um Estado

    nacional (com centralização política, constituição de finanças públicas etc.). Segundo, o fim do

    tráfico de trabalhadores africanos em 1850, diretamente ligado aos outros dois aspectos: a

    42 PRADO (1966: p. 36) mostra que foi assumido de maneira geral que o conjunto de países coloniais, semicoloniaisou dependentes se aproximaria da formação social da China e desse movimento foram desdobrados programas eestratégias para partidos comunistas de diversos países do “terceiro mundo”. 43 O que não é igual a afirmar, como muitos leitores de Caio Prado o fazem incorretamente, que o autor considerasseo Brasil capitalista desde a colônia.

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    imigração de trabalhadores europeus a partir de 1875, aproximadamente, e a abolição do trabalho

    escravo em 1888. Do ponto de vista das forças produtivas, destaca-se seu largo desenvolvimento,

     particularmente a produção de café. Contudo, a ampliação súbita do mercado interno escancarou

    as fragilidades da economia de tipo colonial, incapaz de suprir mesmo os gêneros essenciais a sua população e fundada em baixíssimos patamares do custo de reprodução da mão-de-obra. Ainda

    sim, frisa Caio Prado, o período foi marcado pela integração de uma gigantesca massa de

    trabalhadores, outrora apenas força física explorada, no mercado interno e conclui: “Superava-se,

    assim, definitivamente, a natureza e a estrutura colonial da sociedade brasileira, abrindo caminho

     para a sua completa integração nacional” (PRADO JR., 1966: p. 85).

    Todavia, havia dois problemas em aberto. O primeiro dizia respeito ao caráter

    estruturalmente colonial  da economia brasileira, primitivo e organizado para exportar gêneros

     primários, contrastando com as necessidades dos trabalhadores e até as da elite, atendidas

    somente por importações. A despeito do processo de diferenciação produtiva e industrialização

    que ocorrem desde fins do século XIX e em especial a partir dos anos 1930, permanecem severos

    traços que repõem em novas bases o padrão produtivo controlado desde fora e em função dos

    interesses externos44. Considerada por Prado Jr. um processo positivo dentro da formação até

    meados do século XX, a industrialização no pós-guerra passa a ser encarada como vetor da

    renovação da vulnerabilidade externa e da desintegração nacional (SAMPAIO JR., 1999b: pp.

    420-421). Os problemas residem no caráter desta industrialização por substituição de

    importações, voltada para um mercado restrito à elite, pelo controle dos seus elos estratégicos

     pelos trustes internacionais e, corolário do dois primeiros pontos, o reforço do dualismo entre um

    setor vinculado ao mercado externo e outro ao interno. A indústria controlada pelos trustes

     precisa de setores exportadores para gerar superávit comercial e dele extrair a moeda

    internacional que remunerará os investimentos internacionais  –   daí o vínculo estratégico entre

    investimentos externos e o padrão produtivo de tipo colonial, baseado em gêneros primários,

    latifúndio, trabalho barato, recursos naturais e exportações:

    44 “A diversificação das atividades produtivas e a industrialização –  sobretudo esta última, com os efeitos e estímulosque comporta e que o Brasil agrário do passado desconhecia inteiramente –  trarão grandes modificações da economia

     brasileira, e representam sem dúvida um passo considerável no sentido da superação do velho sistema de colônia produtora de gêneros de exportação. Mas doutro lado, reforça de certo modo esse sistema, e o renova sobre outras bases que, nem por serem diferentes das antigas, livram a economia brasileira das contradições que embaraçam o seudesenvolvimento e sua definitiva libertação (PRADO JR., 1966: p. 88).

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    Observamos aqui muito bem a ligação do imperialismo com o nosso sistema colonial,fundado na exportação de produtos primários, pois é dessa exportação que provém osrecursos com que o imperialismo conta para realizar os lucros que são a razão de ser desua existência. Considerada do ponto de vista geral, do imperialismo, a economia

     brasileira se engrena no sistema dele como fornecedor de produtos primários cuja venda

    nos mercados internacionais proporciona os lucros dos trustes que dominam aquelesistema. Todo funcionamento da economia brasileira, isto é, as atividades econômicas do país e suas perspectivas futuras, se subordinam assim, em última instância, ao processocomercial em que os trustes ocupam hoje o centro. Embora numa forma mais complexa,o sistema colonial brasileiro continua em essência o mesmo do passado, isto é, umaorganização fundada na produção de matérias-primas e gêneros alimentares demandadosnos mercados internacionais. É com essa produção e exportação que fundamentalmentese mantém a vida do país, pois é com a receita daí proveniente que se pagam asimportações, essenciais à nossa substância, e os dispendiosos serviços dos bemremunerados trustes imperialistas aqui instalados e com que se pretende contar para aindustrialização e desenvolvimento econômico. (PRADO JR., 1966: p 89).

    O segundo ponto era a reminiscência do sistema colonial nas relações de trabalho e

    no estatuto do trabalhador rural. A questão agrária para Prado Jr. (1966: pp. 100-101) residia nofato de que os baixos salários dos trabalhadores rurais (praticamente desprovidos de direitos e

    condições de reivindicá-los) equivaliam a um custo de vida correspondentemente baixo,

    denominador comum de interesses do imperialismo e da burguesia.

    E é no ponto da questão agrária que o autor passa à crítica aberta das concepções

     pecebistas sobre o “feudalismo” no Brasil: 

    O que existe e tem servido de exemplificação e comprovação do ‘feudalismo’ brasileirosão remanescentes das relações escravistas, o que é bem diferente, tanto no que respeitaà natureza institucional dessas relações, como, e mais ainda, no que se refere às

    conseqüências de ordem econômica, social e política daí decorrentes (PRADO JR.,1966: p. 104).

    Ele esclarece exaustivamente que as relações de produção no campo eram

    majoritariamente capitalistas, organizadas por empresas comerciais e com assalariamento, e que

    as relações não-capitalistas (como o colonato, a parceria e a meação) nada tinham em comum

    com a servidão feudal. O primitivismo das forças produtivas no campo se explicava pela

    insuficiência financeira, pelas deficiências do aparelhamento comercial e pelo baixo nível cultural

    dos empresários e o patamar reduzido de consciência de classe do trabalhador rural etc. (PRADO

    JR., 1966: pp. 107-108).

    O latifúndio (grandes proprietários, fazendeiros, etc.) seria na verdade uma “legítima

     burguesia agrária” (PRADO JR., 1966: p. 108), com negócios no campo ou outras atividades

    quaisquer. E, diferentemente do que afirmava a teoria equivocada, não havia qualquer prova de

    inclinação específica ao imperialismo; pelo contrário, havia até espaços de conflitos, como os dos

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    cafeicultores com as firmas comerciais internacionais, ou dos pecuaristas com os frigoríficos etc.

    (IDEM: p. 110-111).

    Quanto ao caráter da burguesia brasileira, outro ponto central da tese pecebista,

    Caio Prado tece novamente uma crítica severa. Para ele, a burguesia brasileira, heterogênea nasorigens, era homogênea nos interesses, nos negócios, e na maneira de conduzi-los. No Brasil, não

    houve problemas com a existência de estruturas econômicas e sociais prévias ao capitalismo ou

    mesmo conflitos étnicos e sociais que o atrapalhassem; o Brasil já nasce como uma colônia, nos

    marcos dos negócios mercantis. Desta forma, a burguesia ascendeu de forma rápida e

    relativamente coesa, inclusive no setor agrário (PRADO JR., 1966: pp. 115-6).

     No que diz respeito à sua relação com o imperialismo, Prado Jr. (1966: pp. 117-118)

    afirma que a entrada do capital estrangeiro não dividiu a burguesia em antagonismos, mas abriu

    espaços e oportunidades de negócios para praticamente toda a classe dentro do país. Aliás, todos

    os grandes negócios no Brasil foram impulsionados pelo imperialismo (que também trouxe

    técnicas e valores “modernos”), até o último estágio da indus trialização pesada e complexa. Em

    sua concepção, portanto, a despeito de conflitos menores existentes entre o imperialismo e a

     burguesia brasileira, nada seria suficiente para constituir uma oposição de classe entre elas.

    Por último, Caio Prado Jr. chega a uma crítica radical e nega a existência de uma

     burguesia nacional, classe capaz de dirigir a revolução brasileira. A industrialização no Brasil é

    fundamentalmente uma “substituição de importações” delimitada em dois planos: primeiro, é

    comandada pelos grandes grupos internacionais, que não a aprofundarão para além da capacidade

    de pagamento externo do país dependente; segundo, a industrialização visa tão-somente a

    fornecer bens outrora importados, por diferentes meios, ao mesmo mercado restrito (no máximo

    de alcance regional). Então, como a burguesia não controla a acumulação de capital, pois não tem

     base objetiva para isso, inexistem as condições objetivas e subjetivas para o anti-imperialismo e

     para a própria burguesia nacional  no Brasil.

    Caio Prado revela, além da essência da burguesia brasileira, um fator de cisão interna,delimitada pela existência de um sistema de favorecimento de negócios privados pela

    administração e pelas empresas estatais em prol dos funcionários públicos e dos setores da

     burguesia associados. É este conflito  –   e não a divisão entre suposta burguesia nacional e uma

    “entreguista” –, isto é, entre o que o autor chamou de “capitalismo burocrático” e o setor burguês

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    marginalizado do sistema, que vê na ação estatal apenas promoção dos interesses burgueses

    gerais, o único fator de “divisão” da classe burguesa. Ao acreditar em uma divisão entre

    nacionais e entreguistas, a teoria pecebista acabou por colocar os trabalhadores ao lado do

    capitalismo burocrático, um setor burguês tão ou mais reacionário que o outro. Isso porque osinteresses por intervencionismo estatal defendidos pela burguesia burocrática acabaram sendo

    entendidos como nacionalistas, atraindo apoio dos setores progressistas. O resultado foi a

    confusão dos setores populares, a paralisação da polarização para a revolução brasileira e o

    fortalecimento do outro setor que liderou a denúncia ao parasitismo do Estado e dirigiu

     politicamente a insatisfação popular com tal situação (PRADO JR., 1966: pp. 125-128).

    Segundo a leitura de Caio Prado Jr. feita por Sampaio Jr. (1999a: pp. 105-107), o

    resultado da permanência de uma subordinação completa ao capital internacional e da segregação

    social é que o mercado brasileiro é marcado pela existência de uma conjuntura mercantil precária.

    A mobilidade do capital internacional impede a constituição do mercado interno como a instância

    estratégica da acumulação, enquanto que a marginalização permanente impede a socialização dos

    frutos do progresso técnico e a retroalimentação do mercado interno. Como resultado o

    subdesenvolvimento se caracteriza pela incerteza estrutural : “A impossibilidade de previsões

    razoavelmente seguras quanto à trajetória futura da economia faz com que a expectativa de longo

     prazo de valorização da riqueza capitalista se transforme em um caleidoscópio ultra-sensível”

    (SAMPAIO JR., 1999a: p. 107).

    Esta incerteza estrutural implica dois padrões da acumulação capitalista no Brasil: o

    modo de organização do capital se torna a busca pela liquidez e a racionalidade burguesa se torna

     part