o negro e o socialismo

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Negro e o socialismo, OAutores: IANNI, Octavio; SILVA, Benedita da; SANTOS, Gevanilda Gomes; SANTOS, Luiz AlbertoSinopse: Desde nossa colonização até os dias atuais, a questão racial e a questão nacional têm relação direta com a discriminação – velada ou explícita – sofrida pelos negros em diversos âmbitos. Nas palavras de Octavio Ianni, trata-se de uma questão que “sempre foi, tem sido e continuará a ser um dilema fundamental da formação, conformação e transformação da sociedade brasileira”. Neste volume da coleção Socialismo em Discussão é abordada a relação nem sempre tranqüila entre as esquerdas e a questão racial, e como isso afeta os partidos e o movimento negro.SumárioO negro e o socialismo
Octavio IanniComentáriosBenedita da Silva
Gevanilda Santos
A luta contra o racismo na esquerda brasileira
Relações raciais no interior da classe trabalhadora
O Núcleo Negro Socialista: a luta de combate ao racismo sob a hegemonia da matriz ideológica da esquerda
O embate político-teórico sobre o racismo
A reação ao projeto do Núcleo Negro Socialista
Uma interpretação da relação entre raça e classeO negro e o socialismo
Luiz Alberto Silva Santos
Escravidão e capitalismo
Uma crítica fundamental às esquerdas
Octavio IanniDebate com o público
Carioca
Tarcísio Geraldo Faria
Aparecido Alexandre da Silva
Edmar Silva
Luiz Alberto Silva Santos
Benedita da Silva
Gevanilda Santos
Octavio Ianni
Geralda
Paulo Henrique
Alexandre Santana
Weber
José Mauro Casemiro
Gilson Negão
Cláudio Pastor
Góes
Jorge Luiz Aparecido Mateus
Clara CharfRespostas
Octavio Ianni
Gevanilda Santos
Benedita da Silva
Luiz Alberto Silva SantosFundação Perseu Abramo

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Page 1: O Negro e o socialismo

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o c t a v i o i a n n ib e n e d i t a d a s i l v agevanilda gomes santosl u i z a l b e r t o s a n t o s

DESDE NOSSA COLONIZAÇÃO ATÉ OS DIAS ATUAIS,A QUESTÃO RACIAL E A QUESTÃO NACIONAL TÊM

RELAÇÃO DIRETA COM A DISCRIMINAÇÃO – VELADA

OU EXPLÍCITA – SOFRIDA PELOS NEGROS EM

DIVERSOS ÂMBITOS. NAS PALAVRAS DE

OCTAVIO IANNI, TRATA-SE DE UMA QUESTÃO

QUE “SEMPRE FOI, TEM SIDO E CONTINUARÁ

A SER UM DILEMA FUNDAMENTAL DA FORMAÇÃO,CONFORMAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO DA SOCIEDADE

BRASILEIRA”. NESTE VOLUME DA COLEÇÃO

SOCIALISMO EM DISCUSSÃO É ABORDADA

A RELAÇÃO NEM SEMPRE TRANQÜILA ENTRE

AS ESQUERDAS E A QUESTÃO RACIAL, E COMO

ISSO AFETA OS PARTIDOS E O MOVIMENTO NEGRO.

O negro e o socialismo3a.p65 6/1/2005, 12:401

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o c t a v i o i a n n ib e n e d i t a d a s i l v agevanilda gomes santosl u i z a l b e r t o s a n t o s

DESDE NOSSA COLONIZAÇÃO ATÉ OS DIAS ATUAIS,A QUESTÃO RACIAL E A QUESTÃO NACIONAL TÊM

RELAÇÃO DIRETA COM A DISCRIMINAÇÃO – VELADA

OU EXPLÍCITA – SOFRIDA PELOS NEGROS EM

DIVERSOS ÂMBITOS. NAS PALAVRAS DE

OCTAVIO IANNI, TRATA-SE DE UMA QUESTÃO

QUE “SEMPRE FOI, TEM SIDO E CONTINUARÁ

A SER UM DILEMA FUNDAMENTAL DA FORMAÇÃO,CONFORMAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO DA SOCIEDADE

BRASILEIRA”. NESTE VOLUME DA COLEÇÃO

SOCIALISMO EM DISCUSSÃO É ABORDADA

A RELAÇÃO NEM SEMPRE TRANQÜILA ENTRE

AS ESQUERDAS E A QUESTÃO RACIAL, E COMO

ISSO AFETA OS PARTIDOS E O MOVIMENTO NEGRO.

O negro e o socialismo3a.p65 6/1/2005, 12:401

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Page 3: O Negro e o socialismo

Octavio IanniBenedita da SilvaGevanilda Santos

Luiz Alberto Silva Santos

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Socialismo em discussão

EDITORA FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO

Page 4: O Negro e o socialismo

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

O negro e o socialismo / Octavio Ianni... [et. al.]. – São Paulo : EditoraFundação Perseu Abramo, 2005. – (Coleção Socialismo em Discussão)

Outros autores: Benedita da Silva, Gevanilda Santos, Luiz AlbertoSilva Santos

ISBN 85-7643-011-8

1. Brasil - Relações raciais 2. Discriminação racial - Brasil 3. Negros -Brasil 4. Negros - Condições sociais. 5. Racismo - Brasil 6. Socialismo I. Ianni,Octavio. II. Silva, Benedita da. III. Santos, Gevanilda. IV. Santos, Luiz Alberto Silva.V. Maringoni, Gilberto.

04-6872 CDD-305.896081

Índices para catálogo sistemático:1. Brasil: Negros e a sociedade: Problemas raciais: sociologia 305.896081

Assistente EditorialViviane Akemi Uemura

RevisãoValter Pomar

Márcio Guimarães de Araújo

Capa, Ilustrações e Projeto GráficoGilberto Maringoni

Ilustração da CapaAnatomy of a Cosmic Egg, de Samuel Santiago

Editoração Eletrônica Enrique Pablo Grande

Impressão Gráfica Bartira

Fundação Perseu AbramoInstituída pelo Diretório Nacional

do Partido dos Trabalhadores em maio de 1996

DiretoriaHamilton Pereira – presidente

Ricardo de Azevedo – vice-presidenteSelma Rocha – diretora

Flávio Jorge Rodrigues da Silva – diretor

Editora Fundação Perseu Abramo

Coordenação EditorialFlamarion Maués

Editora AssistenteCandice Quinelato Baptista

1a edição: janeiro de 2005 – Tiragem: 3 mil exemplaresTodos os direitos reservados à

Editora Fundação Perseu AbramoRua Francisco Cruz, 224 – CEP 04117-091 – São Paulo – SP – Brasil

Telefone: (11) 5571-4299 – Fax: (11) 5571-0910Na Internet: http://www.fpabramo.com.br – Correio eletrônico: [email protected]

Copyright © 2005 by Editora Fundação Perseu Abramo — ISBN 85-7643-011-8

Page 5: O Negro e o socialismo

Este livro reproduz o debate do Seminário “Onegro e o socialismo”, promovido pelo Instituto

Cidadania, pela Fundação Perseu Abramo e pelaSecretaria Nacional de Formação Política do

Partido dos Trabalhadores, que aconteceu em SãoPaulo em 22 de outubro de 2001.

Page 6: O Negro e o socialismo
Page 7: O Negro e o socialismo

O negro e o socialismoOctavio Ianni ............................................................................. 7

ComentáriosBenedita da Silva ......................................................................15

Gevanilda Santos ......................................................................21A luta contra o racismo na esquerda brasileira .............................................21Relações raciais no interior da classe trabalhadora .......................................24O Núcleo Negro Socialista: a luta de combate ao

racismo sob a hegemonia da matriz ideológica da esquerda .....................26O embate político-teórico sobre o racismo ....................................................30A reação ao projeto do Núcleo Negro Socialista ..........................................32Uma interpretação da relação entre raça e classe ..........................................36

O negro e o socialismoLuiz Alberto Silva Santos .......................................................... 39Escravidão e capitalismo ...............................................................................39Uma crítica fundamental às esquerdas ..........................................................42

Octavio Ianni ............................................................................45

Page 8: O Negro e o socialismo

6 O NEGRO E O SOCIALISMO

Debate com o públicoCarioca ............................................................................................................... 49Tarcísio Geraldo Faria ..................................................................................... 50Aparecido Alexandre da Silva ......................................................................... 50Edmar Silva ........................................................................................................ 51Luiz Alberto Silva Santos ................................................................................. 51Benedita da Silva .............................................................................................. 53Gevanilda Santos .............................................................................................. 55Octavio Ianni ..................................................................................................... 57Geralda ............................................................................................................... 62Paulo Henrique ................................................................................................. 62Alexandre Santana ............................................................................................ 63Weber ................................................................................................................... 64José Mauro Casemiro ....................................................................................... 64Gilson Negão ..................................................................................................... 65Cláudio Pastor .................................................................................................. 65Góes .................................................................................................................... 66Jorge Luiz Aparecido Mateus .......................................................................... 66Clara Charf ........................................................................................................ 67RespostasOctavio Ianni ..................................................................................................... 69Gevanilda Santos .............................................................................................. 70Benedita da Silva .............................................................................................. 72Luiz Alberto Silva Santos ................................................................................. 77

Sobre os autores ..................................................................... 81

Page 9: O Negro e o socialismo

7SOCIALISMO EM DISCUSSÃO

O negro eo socialismoOctavio Ianni

O Brasil pode transformar-se em nação, em Estado-nação, em umafluente conjugação entre sociedade civil e Estado, se os partidos políticos eos movimentos sociais de base popular empenharem-se em encaminhar elutar pela resolução da “questão regional” e da “questão racial”.

Além de outros problemas muito importantes, relativos à contradição“trabalho e capital”, às relações de gênero e ao contraponto sociedade enatureza, cabe reconhecer que as questões regional e racial são funda-mentais. Trata-se de problemas que afetam as condições de integraçãoentre sociedade civil e Estado. São problemas que a peculiar “revoluçãoburguesa” desenvolvida no Brasil não resolveu nem encaminhou satisfa-toriamente para a grande parte da população; problemas que não inte-ressam às classes dominantes nem resolver, nem encaminhar, sempreencobrindo-os ideologicamente ou reprimindo-os com as mais diversas esofisticadas técnicas de violência.

Esta, portanto, é uma idéia preliminar: a questão racial tem relaçãodireta e profunda com a questão nacional, entendendo-se que esta en-volve o desafio de uma integração cada vez mais fluente, aberta, dinâmi-ca e transparente entre amplos setores da sociedade civil e o Estado. A

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8 O NEGRO E O SOCIALISMO

rigor, a questão racial, na qual se destaca a situação do negro, pode serdecisiva para que a sociedade civil possa “educar duramente o Estado”.

Ocorre que o país tem vivido uma história extremamente problemáti-ca, de largos períodos de dissociação entre a sociedade e o Estado, nosquais se desencontram as tendências de amplos setores da sociedadecivil e as diretrizes que as classes dominantes têm imposto ao Estado,aos governantes. É como se fosse uma larga história de dissociação,atravessada por tensões e reivindicações, lutas populares e golpes deEstado, diversionismos e repressão. Daí a “tese” de setores dominan-tes, alegando que a sociedade civil é débil, pouco articulada ou errática,motivo pelo qual o Estado deveria impor-se, dominante, como demiurgoda sociedade.

Quando se examina a sociedade brasileira desde uma perspectiva his-tórica ampla, tomando em conta também alguns dos seus momentoscruciais, logo fica evidente que o Brasil é um país em busca de conceito,revelando uma trajetória errática, com reorientações contraditórias.

O Brasil já foi colônia e monarquia; e tem sido República. Mas a Re-pública tem sido oligárquica e populista, militar, civil, tirania e democra-cia. Já foi uma província do mercantilismo e uma nação dependente; játeve um projeto de capitalismo nacional e volta a ser província, doglobalismo. Definiu-se como “economia primária exportadora” nas épo-cas colonial e monárquica, bem como no curso da primeira parte doperíodo republicano. Em seguida, nos anos 1930-1964, ensaiou uma “in-dustrialização substitutiva de importações”, realizando amplamente um“projeto de capitalismo nacional”. Depois, no curso da ditadura militar edos governos civis, desmonta-se totalmente o projeto de capitalismo na-cional, compreendendo o incipiente Estado do bem-estar social, e se abreamplamente ao capitalismo mundial, transformando-se em província doglobalismo; um caso exemplar da “teoria da dependência perfeita”.

Page 11: O Negro e o socialismo

9SOCIALISMO EM DISCUSSÃO

Esta é a idéia: a escala e a radicalidade da questão racial no Brasilpodem ser consideradas condições fundamentais não só da luta pelaeliminação do preconceito racial, mas também da transformação da so-ciedade brasileira como um todo e, fundamentalmente, da verdadeiraconstrução de uma sociedade nacional, articulada, viva, em movimento,que a sociedade civil e o Estado desenvolvam-se de forma articulada efluente e que a “população” se transfigure em “povo”, no sentido de queo povo se constitui quando se compõe de “cidadãos”, de pessoas situa-das e integradas, participantes e ativas, em todas as esferas da socieda-de, públicas e privadas.

Esta é a perspectiva histórica e teórica na qual se pode colocar a pro-blemática racial, em especial no que se refere ao negro brasileiro, vistocomo a categoria étnica e social com a qual se desenha e movimenta,forma, conforma e transforma a sociedade brasileira como um todo.

A questão racial sempre foi, tem sido e continuará a ser um dilemafundamental da formação, conformação e transformação da sociedadebrasileira. Está na base das diversas formas de organização social dotrabalho e dos jogos das forças sociais, bem como das criações culturais.Praticamente tudo o que constitui a economia e a sociedade, a política ea cultura, compreende sempre algo ou muito da questão racial. Os lon-gos períodos de tirania realizam-se com ampla ou total exclusão do ne-gro e outras etnias, assim como os episódicos períodos de democraciarealizam-se com alguma participação do negro e de outras etnias.

No curso da história da sociedade brasileira, compreendendo os pe-ríodos colonial, monárquico e republicano, está sempre presente e de-cisiva a questão racial. Aí estão o indígena e o africano, o português eo espanhol, o imigrante europeu de diferentes nacionalidades e o imi-grante asiático também de diferentes nacionalidades. Dentre todos, noentanto, cabe destacar o negro, descendente do africano escravizado,

Page 12: O Negro e o socialismo

10 O NEGRO E O SOCIALISMO

marcado pela diáspora e pelo holocausto, compondo a mais numerosacoletividade dentre as várias etnias, mesmo porque os brancos distri-buem-se em distintas nacionalidades, fidelidades e identidades, semesquecer que muitos compõem amplamente os trabalhadores assala-riados, as classes e setores subalternos, mesclando-se com os negros eoutras etnias em locais de trabalho, produção e reprodução. Sim, gran-de parte da questão racial no Brasil diz respeito ao negro, como etnia ecategoria social, como a mais numerosa “raça”, no sentido de catego-ria criada socialmente, na trama das relações sociais desiguais, no jogodas forças sociais, com as quais se reiteram e desenvolvem hierar-quias, desigualdades e alienações.

Esta é a idéia: quando refletimos sobre a presença do negro na socie-dade brasileira, podemos esclarecer o presente, repensar o passado eimaginar o futuro. Se pensamos que o futuro pode ser o lugar da eman-cipação, da terra sem males ou do socialismo, cabe reconhecer que onegro contribui decisivamente para a invenção e a realização desse futu-ro, a região mais transparente.

Para avaliar a escala e a radicalidade das reivindicações sociais, eco-nômicas, políticas e culturais do negro, como indivíduo e coletividade,pode ser fundamental reconhecer alguns aspectos muito importantes dasua presença e sofrença na formação, conformação e transformação dasociedade brasileira.

Em primeiro lugar, o negro foi incorporado à sociedade brasileira comoforça de trabalho escrava. Os séculos de regime de trabalho escravocompreenderam também séculos de uma vasta diáspora, acompanhadade holocausto. Além dos traumas resultantes da ruptura com as comuni-dades e reinos originários, desenvolveram-se os traumas da condiçãoescrava: propriedade alheia, subordinação física e social, objeto de tran-sações entre mercadores, senhores e seus funcionários.

Page 13: O Negro e o socialismo

11SOCIALISMO EM DISCUSSÃO

Em segundo lugar, nos séculos de escravismo desenvolveram-se ascastas, dividindo e hierarquizando principalmente senhores e escravos;além de trabalhadores “livres” preenchendo frestas e interstícios da so-ciedade maciçamente escravocrata, produtora de mercadorias para omercado externo. Assim, forma-se a casta dos senhores, brancos, pro-prietários de terras e outros meios de produção, assim como de escra-vos, isto é, de portadores de força de trabalho; e forma-se a casta dosescravos, trabalhadores sem voz, sujeitados física e socialmente às con-dições de trabalho no eito, em ofícios, no engenho e na casa-grande.

Esta é uma feição importante do escravismo: aí desenvolve-se umacultura política essencialmente autocrática, na qual o trabalhador apare-ce apenas como indivíduo e coletividade a serem tutelados, controlados,administrados, confinados na senzala. Note-se que as castas distinguem-se pela posição que os seus membros ocupam no processo de trabalho eprodução, compreendendo a distribuição, a troca e o consumo, isto é, arepartição desigual – extremamente desigual – do produto do trabalhocoletivo; distinguem-se também pela condição étnica, ou seja, distribuí-dos em brancos e negros, estes muitas vezes mesclados com indígenasou mestiços de negros, índios e brancos de diferentes nacionalidades. Adivisão, a hierarquização é acentuada, reiterada, administrada, preserva-da e aperfeiçoada, tanto pelos ordenamentos jurídico-políticos como pe-las “teorias científicas”, codificadas em termos de “evolucionismo”,“darwinismo social”, “arianismo” e outras denominações.

Terceiro: a formação social escravocrata, apoiada principalmente naforça de trabalho do escravo africano e seu descendente, torna-se umapoderosa fábrica de preconceitos de todos os tipos, dentre os quaisdestaca-se o racial. Esta é a realidade: o racismo tem raízes nos séculosde escravismo, reiterando-se e desenvolvendo-se, ou recriando-se, nocurso dos diversos períodos em que se divide o regime republicano,

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12 O NEGRO E O SOCIALISMO

permeando o agrarismo e o industrialismo, a ruralidade e a urbanidade,os espaços públicos e privados, leigos e religiosos, governamentais eempresariais. Mesmo porque o regime de trabalho livre é também umafábrica de desigualdades, hierarquias, tensões, antagonismos e lutas; as-sim como de intolerâncias, preconceitos e, inclusive, segregações. Note-se, pois, que o preconceito racial adquire todas as características deuma poderosa técnica de dominação, compreendendo desde o con-trole e a administração até a segregação ou o próprio confinamento.

Quarto: aos poucos, no entanto, as “elites” dominantes, compreenden-do não somente proprietários, mas também membros do clero, das For-ças Armadas e da intelectualidade desenvolvem alguns mitos particu-larmente cruéis sobre a história da sociedade brasileira. Dizem e repe-tem, contínua e reiteradamente, que a história do Brasil é uma história de“revoluções brancas”; que situações conflituosas resolvem-se pela “con-ciliação”; que o brasileiro é um “homem cordial” e que o país é uma“democracia racial”. É como se fosse uma sociedade “lusotropical”, umtanto pagã e macunaímica; como se não tivesse problemas, ou na qual osproblemas não parecem graves. Uma sociedade em que a ideologia do-minante, criada e recriada no curso dos tempos, dissolvesse problemas earestas, impasses e antagonismos, ao mesmo tempo que a violência flui,pervasiva, pelos mais diversos círculos da sociedade.

Quinto: portanto, o negro se defronta com uma história difícil, uma longahistória de alienação; e, simultaneamente, uma ideologia racial evasiva,enganosa, pervasiva, cruel, com a qual os donos do poder, as “elites”,compreendendo inclusive intelectuais, recobrem, elidem ou simplesmenteapagam a realidade social, as condições excepcionalmente difíceis em quesão colocados pela intolerância racial camuflada, ambígua, enganosa, sub-reptícia. Uma intolerância que penetra todos os círculos de convivênciasocial, desde o trabalho até a política, da educação à religião, das organiza-

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13SOCIALISMO EM DISCUSSÃO

ções públicas às privadas, impregnando amplamente subjetividades, mo-dos de ser, sentir, pensar, agir, compreender, fabular.

Essas, em forma breve, são algumas das principais origens e dosprincipais desenvolvimentos da escala e da radicalidade das reivindi-cações sociais, econômicas, políticas e culturais do negro como indiví-duo e coletividade.

É óbvio que a questão social pode ser o fermento mais importante datransformação da sociedade brasileira, de uma sociedade de classes parauma sociedade sem classes, reconhecendo-se que o negro tem uma par-ticipação decisiva na composição e nos movimentos da questão social.Em larga medida, foi a questão social que provocou o declínio e a aboli-ção do regime de trabalho escravo, dando lugar ao regime de trabalholivre. É assim que se realiza lenta e contraditoriamente a transição dasociedade de castas em sociedade de classes. Mas na sociedade declasses o trabalhador “livre” está hierarquizado em branco e negro, imi-grante europeu e ex-escravo, índio, asiático, africano e ibérico; todosdistribuídos desigualmente na estrutura da sociedade, participando desi-gualmente do produto do trabalho coletivo. Há várias hierarquias, barrei-ras, intolerâncias, discriminações e também segregações. É como se otecido da sociedade estivesse pouco articulado, subdividido em diferen-tes estratos estanques, alheios, estranhos. E esta tem sido uma das con-dições a partir das quais as “elites”, os donos do poder, exercem seumando e desmando. Estão sempre empenhadas em manter o povo dis-perso, desunido, fragmentado, em termos sociais, étnicos, de gêneros,religiosos, regionais e outros aspectos. Sim, as “elites”, compreendendonão só políticos e empresários, mas também setores militares e religio-sos, bem como intelectuais, direta e indiretamente empenham-se em dis-persar o povo, mantê-lo fragmentado, tanto no espaço da sociedade na-cional como em seus diversos setores sociais.

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14 O NEGRO E O SOCIALISMO

Mais uma vez, esse é o cenário no qual o negro revela-se uma catego-ria social importante, decisiva. A envergadura e a radicalidade de suasituação no curso dos séculos, continuando inclusive no início do XXI, sãodeterminações fundamentais de sua presença e sua perspectiva, alta-mente decisivas para a transformação da sociedade de classes em umasociedade sem classes.

Esta é a tese: o preconceito racial é uma técnica de dominação, pormeio da qual subordinam-se amplos setores da sociedade: homens emulheres, crianças, adultos e velhos, trabalhadores assalariados da cida-de e do campo, na agricultura, na indústria e nos serviços. O preconceitoracial e o preconceito de classe mesclam-se em intolerâncias de váriostipos, manifestas em várias linguagens, com as quais se excluem, confi-nam ou administram os que são obrigados a vender sua força de trabalhopara viver. Esta é a realidade: a raça e a classe são constituídas, simultâ-nea e reciprocamente, na dinâmica das relações sociais, nos jogos dasforças sociais. Essa é a fábrica da dominação e da alienação, que poderomper-se quando uns e outros, assalariados de todas as categorias, si-multaneamente negros e brancos, em suas múltiplas variações, com-preenderem que sua emancipação implica a transformação da socieda-de: desde a sociedade de castas até a de classes, desde a sociedade declasses até a sociedade sem classes.

Na sociedade sem classes todos podem realizar-se como pessoas, in-divíduos e coletividades. As diversidades não se transformam em desi-gualdades, distintas modalidades de alienação. Os distintos traçosfenotípicos não se transformam em estigmas. Ao contrário, as diversida-des de todos os tipos participam da formação, conformação e transfor-mação policrônica e polifônica da sociedade.

Page 17: O Negro e o socialismo

15SOCIALISMO EM DISCUSSÃO

Boa tarde a todas e a todos. É sempre muito difícil falar depois de umaintervenção de Octavio Ianni.

Quero, primeiramente, saudar esta iniciativa, porque discutir hoje osocialismo e sua relação com a questão racial é para nós, sem dúvida,uma novidade. Até porque o hábito natural entre os intelectuais, os pen-sadores, os críticos é discutir um socialismo sem esse recorte, seja racialou de gênero, e é extremamente importante iniciarmos aqui um debatecom esse recorte. Temos muito a contribuir nesse debate, intelectuais ounão, na medida em que a realidade brasileira impõe que a discutamosideologicamente e faz que possamos, identificados na questão colonial,ver as marcas da questão racial.

Não sei como até hoje alguns pensadores conseguiram falar, pensar eproduzir sem ressaltar essa referência racial; por isso reflito que o pen-samento de Octavio Ianni é esclarecedor quando nos traz essa face dosocialismo em que, em sua opinião, está explícita essa presença racial,porque, quando se fala de povo, evidentemente estamos falando do ne-gro, pois somos a maioria dos brasileiros. Mas isso não é o óbvio ululantenas formulações políticas, nos debates programáticos, por isso é inédito

ComentáriosBenedita da Silva

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16 O NEGRO E O SOCIALISMO

para nós estarmos hoje nesta mesa para falarmos de tal assunto. Temosna colonização esta marca racial, que nós identificamos no Brasil comocomposta de negros, brancos e índios. E não só pela história oficial, maspelo que detectamos por meio da fala de Octavio Ianni, essa exploraçãodo homem pelo homem não tem recorte de gênero nem recorte racial,porque o negro já chegou escravo; o índio foi “descoberto” e o brancotornou-se o grande colonizador. Octavio Ianni considera em seus estu-dos essa fragmentação e a questão de classes e castas. Essa fragmen-tação tem de ser tratada, uma vez que estamos numa sociedade de clas-ses e existe uma exploração do homem pelo homem! Se queremos umanova sociedade, essa discussão não pode ser en passant, colocada ape-nas na relação capital–trabalho. É evidente que quem está sendo explo-rado na relação capital–trabalho tem gênero, etnia, local de moradia.

A marca racial nos preconceitos que vão discriminando e contribuin-do com a exclusão tem de ser notável na nossa discussão sobre osocialismo em que acreditamos. Que socialismo nós, negros, quere-mos? Deverá ser um socialismo baseado pura e simplesmente nas pe-ças teóricas produzidas até então, nos modelos que conhecemos, ouele tem de estar eminentemente voltado para uma cultura nacional emque encontrará, certamente, as contradições existentes no mito da de-mocracia racial brasileira?

É lógico que questões de classes sociais, dialeticamente relacionadasàs questões raciais, têm de ser evocadas. Não é possível que não te-nhamos esse privilégio de darmos essa contribuição num momento tãorico como esse, em que estamos buscando construir uma nova socie-dade. Para a construção do socialismo, temos de rediscutir a relaçãocapital–trabalho com recorte racial para que possamos ter a compreen-são deste recorte não como elemento de discurso e denúncia de ummovimento específico dos negros ou peça instrumental de um teórico,

Page 19: O Negro e o socialismo

17SOCIALISMO EM DISCUSSÃO

mas como uma problemática nacional que, portanto, deve ser discutidae colocada como prioridade.

Temos visto a discriminação racial, por vias transversais, unir a direitae a esquerda. A direita acredita, ou finge acreditar, no mito da democra-cia racial, e a esquerda, por sua vez, quer derrubar o capitalismo, mas aíé apenas a questão de classe que está colocada, a discussão da referên-cia racial não foi aprofundada teoricamente. Então, temos uma grandeexclusão, e eu não acredito em um socialismo que não tenha um recorteracial e de gênero.

Como tratar disso numa peça teórica sobre o socialismo em que essasquestões não estão tão óbvias, como mostrou a intervenção aqui feitapor Octavio Ianni? Quando falamos de povo, certamente falamos donegro. Mas essa visibilidade é inexistente, por isso é preciso tornar visí-vel essa inclusão teórica, problemática, programática do socialismo comesta cara. Aí, sim, estamos verdadeiramente incluídos e começamos afazer uma discussão de nível, porque até então a discussão excluía umdeterminado segmento. Conclamamos os pensadores, que têm acumula-do produção intelectual, mas não têm conseguido questionar mais, a con-tribuir formulando uma nova política e uma nova concepção de socialis-mo para nós.

Unir as questões do negro e do socialismo é um desafio principalmentepara nós que somos oriundos de movimentos negros, identificados comoorganizados (forma que eu não gosto de usar, porque a sociedade, naminha concepção, se organiza de diferentes formas, e não posso dizerque aqueles que não estão organizados num determinado movimentoestejam desorganizados no outro). Octavio Ianni fala da necessidade deque os movimentos se encontrem e de que possamos acumular forçadentro desses movimentos e termos esse viés colocado como prioridade.Então, quando formos discutir a reforma agrária, vamos discutir as ter-

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ras dos negros, rediscutir os remanescentes dos quilombos nesse con-texto. Quando formos discutir a questão de salário, vamos discutir adiferença existente entre o salário que se paga para um branco e o salá-rio que se paga para um negro na mesma função. Quer dizer, essasquestões vão sendo introduzidas no debate da sociedade na medida emque essa referência seja uma referência racial.

A revolução social está realmente vinculada a uma desagregação daprodução, uma revolução das elites para as elites. Ora, se existe umarevolução das elites para as elites, nossa proposição é fazer uma novarevolução, em que estaremos implantando o socialismo como o melhorsistema humanitário de igualdade e de justiça. Portanto, temos de repen-sar esse complexo de privilégios criados nesses padrões de comporta-mento, de valores da ordem social arcaica que excluiu a comunidadenegra. É evidente que é sob esses padrões de comportamento, de con-cepções, que convivemos na sociedade brasileira. Se estamos, comopovo, intrínsecos nessa questão, é importante ressaltar que nós, negros,não temos essa visibilidade; reproduzimos comportamentos e valores danossa sociedade e não tivemos a oportunidade de formular uma políticaou uma nova diretriz a partir da qual pudéssemos inferir essa diferençae, por conseguinte, fazer que os diferentes sejam tratados com igualda-de. Somos ainda os que não estão nos bancos das universidades, que nãoestão formulando políticas, que não estão num partido político ou sequernuma associação de moradores. Estes somos nós. Mas é preciso rom-per esse complexo de privilégios e começar a formular, a dar visibilidadee voz para que esses setores sejam contemplados.

Cento e treze anos da Abolição e a avassaladora tendência à mercan-tilização de direitos e prerrogativas sociais. Isso é o que estamos viven-do. Prerrogativas das classes. E quando as classes populares buscam

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seus direitos, encontram dentro desse contexto um grande enfrentamento.Quais instrumentos encontramos nessa classe popular em que majorita-riamente nós, negros, estamos inseridos, para que possamos fazer essadisputa necessária num processo altamente excludente, numa açãoglobalizada de um projeto neoliberal?

Como fazer? É evidente que temos de mudar isso, porque estamoshoje convertidos àquelas prerrogativas das classes populares, aos bensou aos serviços adquiríveis no mercado. E aí tratamos de seguridadesocial, educação, saúde, mas não passamos de mercadorias inter-cambiadas entre fornecedores e compradores. E não temos sequer comocomprar. Aí está uma situação realmente transparente para aqueles queformulam essas políticas, mas também para todos os que têm na suaideologia o sonho do socialismo.

Acredito que essa iniciativa brilhante de Octavio Ianni por si já trazpara o Partido dos Trabalhadores um grande desafio, que está colocadoem medidas que podemos considerar paliativas do ponto de vista da con-cepção de políticas públicas, as ações afirmativas.

Estamos numa discussão sobre reparação, sobre ações de eqüidade,ações afirmativas como, por exemplo, as cotas, e temos de estaratualizadíssimos nesse debate. O Partido dos Trabalhadores será o gran-de instrumento para essa grande virada que nós, classe trabalhadora,precisamos realizar nesse contexto para a instalação de uma nova or-dem social. Essa nova ordem social terá as cores do Brasil.

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A luta contra o racismo na esquerda brasileira – A década de1970 é um marco importante para a história do Movimento Negro Brasi-leiro. Ela inaugurou uma nova fase da luta em defesa dos direitos dapopulação negra.

Nessa nova fase, as diversas instituições brasileiras foram averigua-das quanto à existência de desigualdade sociorracial e à possibilidade deintegrar o negro na sociedade de classes, para usar as palavras do soció-logo Florestan Fernandes.

Ao longo da década de 1980 a atuação das representações do Movi-mento Negro Brasileiro em suas diversas vertentes – cultural, recreati-va, religiosa ou política-reivindicatória – unificava a perspectiva de de-nunciar, de forma particular ou geral, a situação de desvantagem socialda população negra. A unidade de ação gravitava em torno da denúnciado racismo e da condição de classe dos trabalhadores negros.

Ao mesmo tempo, a leitura marxista das categorias de raça e de classeadquire novo sentido histórico e teórico. Considerando o pressuposto mar-xista geral de que o processo de produção e reprodução capitalista nãogera apenas coisas, ou seja, mercadorias, mas principalmente relações

ComentáriosGevanilda Santos

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sociais de dominação e opressão. A implicação desse pressuposto foi ob-servada em relação à raça e ao gênero. O maior desafio teórico era com-preender o racismo e o machismo na interface com a luta de classes. Aexploração econômica da população negra e a opressão social passam aser consideradas decorrências do capitalismo e do racismo.

É dentro desse marco histórico que podemos falar do surgimento denovos referenciais teóricos à compreensão da relação entre raça e clas-se. O racismo passa a ser explicado como uma decorrência das relaçõessociorraciais desiguais e, como tal, se constitui em mais uma contradiçãoda sociedade capitalista e autoritária a ser superada no processo de de-mocratização da sociedade brasileira.

A trajetória da categoria “raça” foi reinterpretada politicamente paraafirmar a identidade racial do negro brasileiro, mobilizar ação de protestocontra o racismo e denunciar o mito da democracia racial. O primeiropasso já estava dado. O passo seguinte foi reinterpretar a categoria “raça”na dinâmica da sociedade de classes brasileira.

A gênese autoritária do Estado brasileiro passa a ser reconhecida noprocesso da abolição da escravatura, que ocorreu sem nenhuma repara-ção social para os ex-escravos, na política de importação de mão-de-obraimigrante e assalariada e no caráter elitista da proclamação da República.

As modernizações lentas, graduais e conservadoras do capitalismo noBrasil – no período nacionalista de Getúlio Vargas ou na fase de aberturaao capital internacional, desde Juscelino Kubitschek até a fase pós-dita-dura militar de 1964 – lograram a exclusão da população negra por faltade mobilidade social nos marcos da competição capitalista. A integraçãodo negro na sociedade de classe sob um modelo jurídico de Estado auto-ritário e disciplinador da classe trabalhadora começa a ser questionada.

A partir da década de 1970 os movimentos sociais, os partidos políti-cos de oposição, oficiais ou clandestinos, foram aliados estratégicos na

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luta contra o capitalismo. O novo desafio era construir essa mesmaaliança na luta contra o racismo. A nova estratégia anunciada era dia-logar com aqueles setores da sociedade brasileira para testar a hipóte-se do amadurecimento das relações democráticas nos marcos de umasociedade socialista.

Não estamos afirmando que naquele momento essa nova estratégia decombate ao racismo tenha solucionado definitivamente tal problemática.Apenas queremos registrar que a partir de então ocorreu o desnudamentodas contradições das relações sociorraciais brasileiras nas várias esfe-ras da sociedade, inclusive das organizações de esquerda.

Nesse período podemos falar do surgimento do Núcleo Negro Socia-lista. Veremos adiante um breve histórico desse organismo mais à es-querda do Movimento Negro Contemporâneo, que estimulou um debateacerca do significado da correlação entre ser negro e ser branco numaestrutura capitalista ou socialista. A elaboração teórica e a intervençãopolítica do Núcleo Negro Socialista chamaram a atenção para as variá-veis da relação de raça e classe, de forma não mais hierárquica, mas siminterdependente, a fim de obter maior objetividade nas relações sociaisde um país cuja formação social foi construída na simbiose entre capita-lismo e escravidão.

A condição da pobreza da população negra – um fator decorrente daexploração da classe dos trabalhadores – começa a ser mais investigadae questionada. O pensamento social que insistia em negar a existênciado racismo no interior da classe trabalhadora brasileira, alegando acentralidade da contradição entre capital e trabalho, foi denominado pen-samento marxista ortodoxo.

Estava aberto o debate entre marxismo e diversidade cultural no inte-rior da classe trabalhadora. O marco histórico deste pensamento foiFlorestan Fernandes, com sua obra A integração do negro na socie-

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dade de classes (1964). Ele concluiu seus estudos sobre a revoluçãoburguesa brasileira afirmando que ela incorporou de modo subalterno onegro na sociedade. Outros nomes representativos desse novo pensa-mento foram Caio Prado Jr., Guerreiro Ramos, Octavio Ianni, LéliaGonzález, Hamilton Bernardes Cardoso e Clóvis Moura1.

Quais foram os elementos históricos que deram forma a essa novainterpretação teórica? Vejamos um pouco desse momento histórico.

Relações raciais no interior da classe trabalhadora – A chamadaesquerda brasileira tem entre suas principais matrizes teóricas e políticasduas vertentes: o marxismo-leninismo e o trotskismo2.

Essa esquerda – desde a fundação do Partido Comunista (PCB) em1922, passando pelas organizações trotskistas que se estruturaram noBrasil a partir de 1931 com a formação da Seção Brasileira de OposiçãoInternacional de esquerda e pelas organizações políticas que existiramno período repressivo pós-1964 – desconhece e, conseqüentemente, nãodebate as relações raciais no interior da classe trabalhadora brasileira.

Em documentos e cartas de princípio das organizações clandestinasda década de 1970 não havia nenhuma referência à desigualdadesociorracial brasileira. Não havia nenhuma reflexão que pudesse insi-nuar que o racismo também era um componente de dominação dostrabalhadores brasileiros. A única exceção foi o Partido Comunista doBrasil (PCdoB), que em seu manifesto-programa de fevereiro de l962mencionou posição contrária a todas as formas de racismo, referindo-se à realidade do negro brasileiro.

O argumento implícito é que a proposta classista de transformaçãoda sociedade capitalista soluciona a problemática da população negra.Essa argumentação é resultado de uma concepção política que com-preende o racismo como uma conseqüência da pobreza generalizada a

1. Ver PRADO Jr., Caio.A revolução brasileira.São Paulo, Brasiliense, 1972,4ª ed.; RAMOS, Alberto Guerreiro.Introdução crítica à sociologiabrasileira. Rio de Janeiro,Editorial Andes, 1957; IANNI,Octavio. Capitalismo eracismo (1972), Escravidão eracismo. São Paulo, Hucitec,1978; Raças e classes sociaisno Brasil. São Paulo,Brasiliense, 1987; GONZÁLEZ,Lélia e HASEMBALG, Carlos A.Lugar de negro. São Paulo,Marco Zero, 1982; MOURA,Clóvis. O negro, de bomescravo a mau cidadão. Riode Janeiro, Conquista, 1977;Rebeliões da senzala. SãoPaulo, Livraria Editora CiênciasHumanas, 1981; Brasil:Raízes do protesto negro. SãoPaulo, Global Editora, 1983;Sociologia do negro brasileiro.São Paulo, Ática, 1988;Dialética radical do Brasilnegro. São Paulo, Anita, 1994.

2. Ver a história da esquerdabrasileira em REIS FILHO,Daniel Aarão e SÁ, Jair Ferreirade. Imagens da revolução.Rio de Janeiro, Marco Zero,1985, 1ª ed., p. 7-22.

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que está submetida a maioria dos negros, o que, em outras palavras,significa dizer que o único fator de discriminação social é a pobreza. Aesquerda admitia o exclusivismo do enfoque capital–trabalho como aprincipal contradição para explicar a exploração e a opressão da popu-lação negra no Brasil.

Alguns nomes importantes da academia brasileira, como Caio Pra-do Jr., já haviam apontado a ortodoxia da esquerda nacional, ressal-tando que

“[...] a diversidade da realidade brasileira, assim como os aspec-tos culturais, de modo geral, não são considerados pela esquerdabrasileira. Esse desconhecimento cria obstáculos para a unifica-ção das forças, na medida em que o discurso da vanguarda revo-lucionária não sensibiliza outros grupos subalternos, e que, comisso, não criam uma base social hegemônica [...]”3.

A desorientação da esquerda no Brasil em sua ação prática pode serexplicada no desconhecimento da situação da diversidade cultural e dasdiferentes contradições da classe trabalhadora brasileira. Sem dúvida,ao defender a perspectiva de eliminar as desigualdades econômicas dasociedade brasileira, a esquerda brasileira contribuirá para a superaçãodo racismo, na medida em que o estabelecimento da melhoria nas condi-ções de vida elimina o aspecto material de manifestação do racismo, istoé, a pobreza. Todavia, isso por si só não eliminará a discriminação e adesvalorização social diante dos traços culturais da matriz africana.

As organizações e os partidos de esquerda, no início da década de 1970,não possuíam prática e discurso de combate ao racismo e não dimensionavamo grau de opressão racial existente na sociedade brasileira.

Vejamos como essa situação começa a se alterar. 3. PRADO JR., Caio, op. cit., p. 20.

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O Núcleo Negro Socialista: a luta de combate ao racismo sob ahegemonia da matriz ideológica da esquerda – Embora a esquerdabrasileira em geral não apresente um discurso de combate ao racismo,em uma de suas vertentes foi planejado um projeto de organização paraa luta contra o racismo e dessa experiência surgiu em 1978 o MovimentoUnificado Contra a Discriminação Racial (MUCDR), posteriormente de-nominado Movimento Negro Unificado (MNU).

O período de inserção da luta contra o racismo na perspectiva de raça/classe está intimamente ligado à experiência de várias lideranças negrasdentro da esquerda, entre 1975 e 1978 e o surgimento do Núcleo NegroSocialista no interior da Convergência Socialista.

Segundo o depoimento de um militante dessa época, o MUCDR foi idea-lizado pelo Núcleo Negro Socialista4. Esse projeto político foi criado es-trategicamente pelas tendências trotskistas Liga Operária e FraçãoBolchevique, que acabaram fundindo-se na Convergência Socialista. Estasurgiu a partir de 1974, quando militantes da Fração Bolchevique Trotskistade São Paulo e o grupo Ponto de Partida, de tendência leninista-trotskistado Secretariado Unificado, formam a Liga Operária, a qual teve comoreferência internacional o Partido Socialista dos Trabalhadores (PST) daArgentina. No início de 1975 a Liga Operária realizou o II Congresso edecidiu concentrar suas forças nos movimentos operário e estudantil doRio de Janeiro e de São Paulo. Em 1977 realizou sua primeira conferên-cia e mudou o nome da organização para Partido Socialista dos Traba-lhadores. No começo de 1978 lançou o Movimento Convergência Soci-alista, cujo objetivo era aglutinar setores militantes “socialistas” para aformação de um partido socialista no Brasil5.

À época, a Liga Operária desenvolvia uma política de atrair negrospara a tendência trotskista. Esse processo foi impulsionado no final dadécada de 1970 com o crescimento dessa tendência na África do Sul e

4. CARDOSO, HamiltonBernardes. Depoimento doautor em outubro de 1989,São Paulo, Capital.

5. SILVA, Antônio Ozai. Históriadas tendências no Brasil. SãoPaulo, Ensaio, 1990.

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na Guiné-Bissau e a relativa expressão que teve nos Estados Unidos nasdécadas de 1950 e 1960.

Em São Paulo, alguns militantes negros da Liga Operária que atuavamno meio universitário do eixo São Paulo–Campinas–São Carlos e algunsjornalistas do jornal Versus, com o propósito de intervir na luta anti-racis-mo, formaram o Núcleo Negro Socialista.

O projeto idealizado pelo Núcleo Negro Socialista apontava para ummovimento que aglutinasse não só o negro, mas todos aqueles que so-frem discriminações: negros, mulheres, indígenas etc., o que explica adenominação inicial Movimento Unificado Contra a Discriminação Ra-cial (MUCDR). O objetivo fundamental era legitimar a luta contra o racis-mo no plano sociopolítico, ampliar a consciência racial da sociedade bra-sileira e oferecer formação política para as lideranças negras. Quanto àestrutura, o MUCDR possuía centros de luta formados por negros e nú-cleos de apoio dos outros movimentos sociais de composição plurirracial.

O caráter nacional dessa proposta foi efetivado a partir da estratégia daLiga Operária de buscar lideranças negras nos vários estados brasileiros,o que possibilitou a formação de núcleos negros socialistas em São Paulo,Rio de Janeiro, Bahia, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. A articulaçãonacional foi realizada por intermédio das comissões estaduais e de umboletim de divulgação interna que informava sobre a conjuntura política e oprocesso organizativo dos demais movimentos sociais.

Com a movimentação de negros de São Paulo e Rio de Janeiro, foifundada no dia l8 de junho uma organização de combate à realidade dediscriminação racial, o MUCDR. A assembléia de fundação, realizadaem São Paulo, deliberou pelo lançamento público do movimento unifi-cado com um ato de protesto ao quadro das desigualdades sociorraciais.Essa deliberação foi polêmica. A proposta do Núcleo Negro Socialistapaulista não foi consensual, recebeu a oposição de militantes de uma

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entidade cultural do movimento negro, o Centro de Cultura e Arte Negra(Cecan), fundado em 1970. O Núcleo Negro e o Cecan avaliavam aconjuntura política sob ponto de vista diferente. A divergência básicaconsistia em ser ou não aquele o momento propício para explicitar aluta contra o racismo e, principalmente, o caráter socialista da luta, namedida em que a época era ditatorial e de suspensão das garantiasindividuais. Esses dois setores estavam em confronto desde maio de1978. À época das comemorações do 13 de Maio, o Cecan propôsuma manifestação de protesto à falsa liberdade concedida pela LeiÁurea, na qual a população não sairia às ruas como forma de repudiara data. Eles compreendiam que o 13 de Maio não deveria ser come-morado porque a população negra continuava sendo discriminada, opri-mida e explorada. O Núcleo Negro Socialista, ao contrário, propunhasair às ruas porque avaliava que o 13 de Maio era uma data significa-tiva para a população negra, mas que necessitava de uma visão críticasobre o que fora a abolição da escravatura, exatamente para quebrar omito da princesa Isabel como redentora que sustentava o mito da de-mocracia racial.

A proposta do Núcleo Negro Socialista foi vitoriosa e o 13 de Maioentrou no calendário do Movimento Negro Brasileiro como o Dia Nacio-nal de Luta Contra o Racismo. Cabe salientar que como contraponto foiescolhida a data de 20 de novembro, como elemento mítico para a lutada população negra, que ficou conhecido como o Dia Nacional da Cons-ciência Negra. Essa proposição, também do Núcleo Negro Socialista,tinha um objetivo, ampliar no Brasil a consciência social contra o racis-mo, de forma que, cada vez mais, os não-negros pudessem assumir edefender a melhoria da condição social dos negros brasileiros. Na ver-dade era uma política voltada para uma sociedade plurirracial, buscandoresgatar e valorizar a memória de Zumbi dos Palmares.

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Em junho de 1978 aconteceram dois episódios importantes para oacirramento daquela divergência: a divulgação na imprensa paulista dotratamento discriminatório a quatro atletas negros que foram impedi-dos de freqüentar o Clube Tietê de São Paulo e a violência policial quelevou à morte o operário Robson Silveira da Luz. Essas circunstânciasmotivaram protesto, mobilização e repúdio público contra o racismo nasociedade brasileira. No dia 7 de julho de 1978, o MUCDR e várias enti-dades negras organizaram um ato público em frente às escadarias doTeatro Municipal de São Paulo em repúdio à discriminação racial. Naspalavras do MNU,

“[...] a discriminação racial, o desemprego e a violência policialfundamentavam seu surgimento e legitimavam sua organização,buscando conscientizar a comunidade negra e chamar a atençãoda sociedade brasileira para a questão do racismo [...]”6.

A divergência se acentua, o Cecan e outras entidades negras que dis-cordavam dessa forma de manifestação não participaram do Ato Públi-co realizado no dia 7 de julho de 1978, nas escadarias do Teatro Munici-pal de São Paulo, com a presença de 2 mil pessoas.

A carta convocatória ao Ato Público foi assinada por apenas seis das13 organizações negras que estavam articuladas nesse processo: AfroLatino-América (Centro de Intervenção do Núcleo Negro Socialista deSão Paulo, por intermédio do jornal Versus), Associação Recreativa BrasilJovem, jornal Capoeira, Grupo de Atletas Negros, Associação CristãBeneficente do Brasil e grupo Decisão7. Este último surgiu de uma dis-sidência do Cecan e era formado por lideranças que apoiavam a mani-festação pública da luta contra o racismo. Esse grupo político posterior-mente aderiu ao MUCDR.

6. MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO.Dez anos de luta contra oracismo (1978 -1988). SãoPaulo, Confraria do Livro, 1988.

7. As 13 entidades participan-tes foram o Centro de Cultura eArte Negra, Grupo Afro Latino-América, Câmara de ComércioAfro-Brasileira, jornaisAbertura e Capoeira, Associa-ção Recreativa Brasil Jovem,Associação Casa de Arte eCultura Afro-Brasileira,Associação Cristã Beneficentedo Brasil, Grupo de AtletasNegros, Company Soul,Zimbabwe e Grupo de ArtistasNegros. Ver GONZÁLEZ, Lélia eHASEMBALG, Carlos A., op. cit.

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A proposta do Ato Público foi apoiada por outros estados. Organiza-ções negras como a Escola de Samba Quilombo, o Renascença Clube, oCentro de Estudos Brasil-África, o Instituto de Pesquisa da Cultura Ne-gra, o Núcleo Negro Socialista do Rio de Janeiro e também o GrupoNego da Bahia estiveram presentes ao Ato ou enviaram moções deapoio. Em 7 de julho de 1978 essas entidades negras explicitaram à soci-edade brasileira uma proposta política de combate ao racismo.

Como vimos, o projeto do Núcleo Socialista foi vitorioso na medida emque colocou a ação política de combate ao racismo nas ruas, apontandoo seu caráter de classe. O racismo, nessa nova leitura, se impunha comoum instrumento de exploração e opressão da população negra, que nãoencontrava solução dentro da ordem burguesa. Mas isso não significavaque as entidades negras já existentes também defendessem essa novaleitura, ou mesmo integrassem o MUCDR. Apesar de não apoiar essa for-ma de intervenção mais politizada, elas, em maior ou menor grau, legiti-maram o processo e acompanham o impulso dado por ele.

O embate político-teórico sobre o racismo – Além da leitura ini-cialmente apresentada, que reconhece uma matriz de esquerda naidealização do projeto de combate ao racismo nos anos 1970, há umaoutra leitura que minimizava essa contribuição e acentuava como ele-mento fundamental nesse processo a efervescência cultural da popula-ção negra iniciada na década de 19708.

Essa movimentação cultural ocorreu em razão da conjuntura repressi-va e recessiva que impunha sérias restrições à qualidade de vida dapopulação negra. Em resposta a esse mecanismo de exclusão surgirammobilizações da população negra de caráter cultural que, por si sós, re-presentavam um protesto às condições de vida e ao modelo racial vigen-te. A efervescência cultural revelava a identidade racial reprimida pelo

8. MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO,op. cit.

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padrão sociorracial vigente e encontrava ressonância política e orga-nizativa na experiência de organização da luta dos negros norte-ameri-canos pelos direitos civis e nas guerras de libertação dos povos africanosde Angola, Moçambique e Guiné-Bissau.

Essa leitura destaca um ponto importante quanto à diferença na formade organização da luta contra o racismo na Bahia e no eixo São Paulo–Rio de Janeiro, observando que, enquanto Salvador priorizou as manifes-tações culturais para chegar ao político, em São Paulo e no Rio de Janei-ro, sob o impulso do Núcleo Negro Socialista, acentuou-se a participa-ção com uma linguagem essencialmente política, por meio de concentra-ção em praça pública, distribuição de panfleto e ato público.

As duas posições explicativas do surgimento da luta contra o racismonos levam a concluir que foram várias as forças envolvidas na formaçãodo projeto de combate ao racismo dos anos 1970 e também evidenciamuma descontinuidade entre uma forma de intervenção que priorizou amanifestação cultural de protesto e outra que priorizou a perspectiva depolitização da manifestação cultural, sob a hegemonia de uma matrizideológica de esquerda. As lideranças negras oriundas do Núcleo NegroSocialista aproximavam-se das manifestações culturais como potencialde mobilização para ampliar a consciência de raça e de classe. As lide-ranças negras oriundas do processo cultural compreendiam a mobilizaçãocultural como canal de pressão contra a ideologia racial vigente e deformação da consciência negra, capaz de resgatar a identidade racialreprimida pelo mito da democracia racial.

A ausência de continuidade entre as duas perspectivas de organizaçãoda luta contra o racismo pôde revelar que, por um lado, os setores deesquerda instrumentalizavam o cultural apenas na medida em que elemanifestasse um protesto à realidade de discriminação racial; por outrolado, revelou também que algumas lideranças negras minimizavam o

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caráter de classe das manifestações culturais ao priorizar a valorizaçãoda identidade racial em detrimento do seu aspecto de classe.

A reação ao projeto do Núcleo Negro Socialista – Entre a forma-ção do MUCDR e a consolidação do MNU, primeira entidade de caráternacional do Movimento Negro Contemporâneo, ocorreu um período degrande polêmica e reação ao projeto do Núcleo Negro Socialista, o qualavaliou a realização da primeira assembléia do MUCDR apontando os se-guintes fatos:

“[...] foi realizado em São Paulo, no dia 27 de julho, uma Assem-bléia Nacional do MUCDR, com a participação de diversas entida-des do interior paulista, dos estados de Minas Gerais e Rio deJaneiro, com quase 350 pessoas. Nessa assembléia, definiu-seum programa mínimo para o movimento unificado, que abarcavadesde a luta por melhores condições de vida até a libertação na-cional. O único grupo a se posicionar como socialista foi o NúcleoNegro de São Paulo e do Rio de Janeiro. Houve muita resistênciaa esse posicionamento”9.

A partir desse momento, ocorreu uma cisão entre os negros que estavamorganizados dentro da esquerda e aqueles que já haviam rompido com essaorganização. O rompimento era justificado a partir do entendimento de queas organizações de esquerda não poderiam dar encaminhamento à luta anti-racismo porque não havia prioridade política para essa problemática e tam-bém pela composição racial de sua direção, basicamente composta por bran-cos, o que dificultava a percepção da problemática.

Aqueles que continuaram no Núcleo Negro Socialista compreendiamque seria necessário construir uma força política dentro da Convergên-

9. Documento publicado peloNúcleo Negro Socialista (s/d).

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cia Socialista para que a luta anti-racismo se tornasse uma preocupaçãoda direção; portanto, seria preciso elaborar uma política anti-racismo eampliar o leque da militância na questão racial, absorvendo um maiornúmero de negros para aquela organização.

Os negros do Núcleo Negro Socialista eram vistos como militantesda organização de esquerda que atuavam no movimento negro naperspectiva de formar uma frente de luta da organização, ao passoque os negros que haviam rompido com a tendência viam o movi-mento negro como um espaço autônomo, capaz de forjar uma políticaanti-racismo. De qualquer forma, o Núcleo Negro Socialista não eramonolítico. Havia unidade quanto à necessidade de uma política anti-racismo e na aceitação dos princípios políticos da organização. Con-tudo havia pensamento divergente na maneira de atingir o objetivocentral: a criação de um projeto político para a luta contra o racismo.Por exemplo, alguns acreditavam que a relação do movimento negrocom a esquerda deveria ser explícita para definir uma perspectivasocialista, outros achavam essa posição equivocada, dado o caráterrepressivo da época.

Na II Assembléia Nacional do MUCDR, realizada em setembro de 1978,na cidade de Caxias, no Rio de Janeiro, o projeto do Núcleo Negro Socia-lista começou a sofrer alterações em função daquelas divergências. Se-gundo a avaliação do próprio Núcleo Socialista, com

“[...] as acusações do DEOPS (Departamento Estadual de OrdemPolítica e Social) de que a Convergência Socialista dirigia o MNU orelacionamento piorou. Em São Paulo as entidades negras do in-terior de São Paulo se retiraram do MNU e no Rio de Janeiro ocor-reu o afastamento do Núcleo Negro Socialista, por motivos inter-nos da própria Convergência Socialista [...]”10. 10. Idem.

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Estes fatos alteraram a correlação de forças entre aqueles que dispu-tavam a direção da luta contra o racismo.

O resultado final da assembléia foi a inclusão da palavra “negro” nasigla e a supressão da referência “contra a discriminação racial”, origi-nando a denominação Movimento Negro Unificado (MNU). Aqui tam-bém há uma controvérsia: segundo o posicionamento do MNU, a mudan-ça de sigla ocorreu na I Assembléia de Organização e Estruturação Mí-nima para o movimento, com a presença de vários estados, Rio de Janei-ro, São Paulo e Minas Gerais. Essa assembléia ocorreu no dia 8 de julhode 1978, em São Paulo, na qual foi aprovada proposta do Rio de Janeirode acrescentar a palavra “negro” ao nome “movimento”. Desse modo adenominação passou a ser Movimento Negro Unificado Contra a Dis-criminação Racial e, no I Congresso Nacional do MUCDR, realizado noRio de Janeiro em dezembro de 1978, que reuniu delegados do Rio deJaneiro, São Paulo, Bahia, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e EspíritoSanto, o nome foi simplificado para MNU11.

Mais do que uma mudança de sigla, essa alteração significou a rupturada aliança com a esquerda no encaminhamento da luta anti-racismo. Oprojeto do Núcleo Negro Socialista contra o racismo foi reformuladocomo um organismo independente da estrutura e da direção da esquer-da. O movimento unificador de todas as formas de discriminação res-tringiu-se à relação branco/negro. Segundo a Carta de Princípios do MNU,seu objetivo básico era:

“[...] defesa do povo negro em todos os aspectos: político, econô-mico, social e cultural, através de maiores oportunidades de em-prego, melhor assistência à saúde, à educação e à habitação,reavaliação do papel do negro na História do Brasil, valorizaçãoda cultura negra e combate sistemático à sua comercialização,

11. MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO,op. cit.

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folclorização e distorção; extinção de todas as formas de perse-guição, exploração, repressão e violência; e liberdade de organi-zação e de expressão do povo negro [...]”

Em país com alto grau de miscigenação, a própria definição do que énegro passa por uma relação sociocultural marcada há séculos pela ide-ologia de embranquecimento, trazendo enormes dificuldades para a defi-nição da identidade racial negra e, portanto, para a delimitação do campode ação do movimento. Além disso, a definição do campo de atuaçãosomente junto à população negra afasta segmentos étnicos e popularesimportantes, como os indígenas, os mestiços e as mulheres. De qualquerforma, a Liga Operária e o Núcleo Negro Socialista nunca chegaram adefinir uma política anti-racismo, o que de certa forma contribuiu para oenfraquecimento do Núcleo Negro Socialista. Porém, essa experiênciafoi relevante na história da organização da luta do movimento negro pós-1978. Ela estreitou os laços entre marxismo e racismo, na medida emque aproximou a perspectiva de combate ao racismo da teoria de classe,despertou a militância racial negra dentro das organizações de esquerdae deu sustentação ideológica a um setor do movimento negro que ficoumais à esquerda.

Na opinião de Hamilton Cardoso, o projeto de luta anti-racismo para asociedade brasileira delineado pelo MNU estava permeado, apesar dautopia socialista, de um nacionalismo afro-norte-americano, reformuladoa partir da filosofia do Partido dos Panteras Negras12. Já o Núcleo Ne-gro Socialista absorveu uma gama maior de influências da luta anti-ra-cismo. Sua visão mais global e universal foi concebida a partir da refle-xão sobre a história dos Panteras Negras nos Estados Unidos, da lutacontra o apartheid na África do Sul, da revolução ma Guiné-Bissau, dopensamento político europeu e do trotskismo. A experiência de combate

12. Os Panteras Negrasforam um grupo de ativistasnegros norte-americanosassociados ao Partido dosPanteras Negras para Autode-fesa, organização político-partidária originária deOakland, Califórnia, no anode 1966 e extinta em 1982após intensa repressãopolítica por parte do FBI

(Federal Bureau ofInvestigation). Foi fundadapor Huey Newton e BobbySeale para a legítima defesada população negra contra oracismo e a violênciapolicial. Foi uma organizaçãode esquerda de influênciamarxista que defendia umaagenda revolucionária contrao capitalismo e a escravidão.Os Panteras Negras seorganizaram em 48 estadosnorte-americanos e chega-ram a ter expressão na África,principalmente na África doSul e em Moçambique.

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ao racismo dentro da esquerda foi uma vitória como criação, mas umfracasso em seu processo de implementação13.

O processo histórico da formação do MNU leva-nos a observar quehouve influência da esquerda no encaminhamento da luta contra o racis-mo a partir de 1978 e que o relacionamento entre o movimento e a es-querda ainda está em construção.

Já adiantamos, em análise anterior, que existe um grande desconheci-mento por parte da esquerda sobre a realidade sociorracial brasileira.Até por isso há um fator profundamente relevante nessa experiência: ocaráter embrionário dessa relação histórica, que se reflete na fragilidadeda relação teórica entre raça e classe na década de 1970.

Após a década de 1980 novos estudos, ações e alianças estratégicastravadas junto aos movimentos sociais e partidos políticos definidos comode oposição, progressistas ou mais à esquerda, construíram experiênciasde combate ao racismo que estão amadurecendo a ação teórica e práti-ca da relação entre classe e raça.

Vejamos esse enfoque mais detalhadamente.

Uma interpretação da relação entre raça e classe – Uma releituracrítica dos estudos de Florestan Fernandes sobre a integração do negrona sociedade de classes demonstra que o amadurecimento das relaçõescapitalistas de produção, longe de eliminar a desigualdade sociorracial, arecompõe sob a ótica da racionalidade da acumulação do capital14.

Sabemos que o valor da mercadoria-trabalho, paga em forma de salá-rio, esconde o tempo de mais trabalho que é apropriado pelo capitalista,e que essa troca não é justa, e sim desigual, e aí está o caráter de explo-ração dos trabalhadores. Sabemos também que o valor da força de tra-balho não é pago de acordo com a necessidade de sobrevivência dostrabalhadores em geral. O valor da reprodução da força de trabalho é

13. Depoimento de HamiltonBernardes Cardoso em outubrode 1989.

14. FERNANDES, Florestan.“Lutas de raças e de classes”.Teoria e Debate, São Paulo,Diretório Regional do PT-SP,nº 2, mar. 1988.

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determinado socialmente. A força de trabalho não é valorizada individual-mente, mas sim coletivamente. É na história concreta de uma nação queencontramos os nexos explicativos da valorização ou não da força detrabalho. Portanto, se na sociedade brasileira há uma desvalorização socialdas dimensões de raça e gênero, ela incidirá como fator de barateamen-to no valor da força de trabalho das mulheres e negros.

E, nesse contexto, afirmamos que a admissão da população negra noprocesso produtivo capitalista é mediada por uma articulação ideológicaque determina a absorção da população negra na estrutura de classe deacordo com a necessidade de reprodução do capital e a orientação ideo-lógica racial vigente.

Isso acaba por delinear um quadro em que a condição racial do traba-lhador se transforma num dado seletivo na competição do mercado detrabalho. O fator da identificação racial de matriz africana é sempredesfavorável ao negro, reservando-lhe a mais baixa posição na estruturade emprego e o recebimento dos mais baixos salários, quer estejam nosetor primário, quer no secundário ou no terciário. Tal fato se traduz nodesemprego, no subemprego e na rotatividade da sua mão-de-obra, oque provoca o empobrecimento contínuo deste segmento populacional.

A compreensão da marginalização social da população negra, assimcomo a sua superação, está altamente comprometida com o grau deaceitação da centralidade da relação de raça, classe e gênero. Aí ficavisível a situação de exclusão social da mulher negra.

A relação de raça e classe pode ser classificada como um fator explicativodas desigualdades da sociedade brasileira. A relação raça e classe não édicotômica, e sim interdependente. Ela não é marginal, e sim interior àsrelações capitalistas de produção. Não desaparece na dinâmica competi-tiva do capitalismo, apenas é distorcida pela ideologia racial vigente. Eladetermina a forma de exploração da força de trabalho da população, quer

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seja masculina, feminina, branca ou negra e condiciona essa forma detrabalho em termos de sua inserção ou exclusão do processo produtivo,tipo de ocupação, rendimentos salariais, posição na estrutura de classe e ograu de consciência racial da população trabalhadora.

O projeto político de combate ao racismo no Brasil, atuante na políticabrasileira, tanto por parte do movimento negro quanto por parte da con-cepção de esquerda, não está isento de equívoco.

A centralidade da contradição capital/trabalho impede a percepção deque a lógica capitalista de exclusão utiliza a diversidade cultural existen-te em meio à classe trabalhadora como fator de discriminação de gêne-ro, raça, idade e religião. A centralidade exclusivista da teoria classistapara explicar as desigualdades sociais brasileiras é equivocada porqueinterpreta de forma tradicional e etnocêntrica nossa formação social.Por isso encontra dificuldades em legitimar-se, por exemplo, perante apopulação negra, por não construir, culturalmente, uma identidade deraça e classe na luta pelo socialismo. O que por sua vez é um entrave àdemocratização da sociedade brasileira.

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Escravidão e capitalismo – O capitalismo acelerou sua expansãopor meio da invasão e incorporação de novos territórios ao domínio daelite branca européia, configurando o imperialismo moderno. O reflexodessa estratégia capitalista para a humanidade foi o saldo de mais de 4,7milhões de indígenas mortos e o conjunto de mais de 110 milhões deafricanos seqüestrados e assassinados para instalar e alimentar o regimede escravidão nas Américas. Com a colonização do Brasil e da AméricaLatina, abre-se o início da expansão do capitalismo comercial na Euro-pa. O capitalismo mercantil cria a indústria da escravidão, para, por in-termédio da exploração permanente da força de trabalho, instituir ummodelo de produção baseado no trabalho escravo.

A princípio, os índios e, posteriormente, os negros oprimidos pelo regi-me escravocrata lutaram intensamente pelo fim do regime de explora-ção e espoliação mais cruel que a humanidade já experimentou e que foiimplementado nas Américas, sem disfarce. Porém, a vitória do povonegro e demais aliados, com o fim da escravidão, tanto nas lutas deresistência político-culturais e espirituais, nos quilombos, como nas lutaspela abolição e na participação das guerras civis na América do Norte,

O negro e o socialismoLuiz Alberto Silva Santos

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na América Central e no Brasil, não trouxe grandes mudanças e, especi-ficamente, não representou o fim da divisão racial do trabalho nem limi-tou a disseminação do racismo.

A divisão social do trabalho, consolidada pela primeira reestruturaçãoprodutiva, coloca negros e negras não só como operários oprimidos pelosistema capitalista, mas, sobretudo, como deserdados da terra, à mar-gem do processo produtivo, da participação política na esfera do Estadoe da sociedade civil, encurralando-os numa vida que, em boa parte, man-teve os valores desumanos do antigo regime de escravidão.

Essa política separatista resultou na quase exterminação do povo indí-gena e mantém reflexos diretos em homens, mulheres, crianças e idososnegros, pois construiu os sistemas de educação, saúde e habitação nosquais a população negra vem sendo relegada a um nível de miséria qua-se absoluta: marginalidade, violência policial, analfabetismo, imposiçãode estética branca, exclusão nas instâncias de decisão.

O relatório do PNUD 2000 (Programa das Nações Unidas para o Desen-volvimento) sobre desenvolvimento humano, com dados relativos ao ano de1998, registra que o Brasil encontra-se em 77º lugar no ranking mundial noque se refere à qualidade de vida. Entretanto fica patente que, aqui, existeuma dupla realidade para o índice de desenvolvimento humano: uma para osbrancos (63a posição) e outra para os negros (120a posição).

A compreensão sobre a idéia de uma sociedade socialista no Brasilimpõe-se não apenas como tarefa estratégica, mas também como ne-cessidade conjuntural, já que sem uma alternativa popular global para acrise do capitalismo ficamos em desvantagem para enfrentar os projetosneoliberais. Discutir nosso programa significa desenvolvê-lo em contra-posição às concepções neoliberais e às críticas que têm sido feitas aosocialismo, assim como exige incorporar as demandas peculiares da com-posição étnica/racial da sociedade brasileira.

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A globalização capitalista como conjunto de fatores que sintetizam oideário da hegemonia do capital financeiro em detrimento do capitalprodutivo, a superação dos modelos fordista e taylorista como referên-cia para a organização do trabalho e da produção, o desenvolvimento ea sofisticação tecnológica como suporte de um modelo de acumulaçãoflexível, a formação de grandes blocos econômicos e a transnacio-nalização incorporada a partir dos países do centro capitalista, a des-constitucionalização e a desregulamentação das relações de trabalhoproporcionam maiores estragos às minorias étnicas e raciais em todo omundo, o que é facilmente constatado pelos altos índices da taxa dedesemprego estrutural, que, no Brasil, vitima preferencialmente a po-pulação negra.

É pertinente a sugestão do professor Octavio Ianni ao propor que seaborde a realidade dos negros no Brasil e as possíveis soluções paraenfrentar os gravíssimos problemas vividos pela nossa gente como umaquestão política nacional.

Tal resposta pressupõe que Estado e sociedade civil definam políticascompensatórias e reparatórias para a maioria da população negra queeliminem a pobreza e a fome que atingem sobretudo o nosso povo.

A pesquisa do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) sobreo mapa das desigualdades raciais confirma as diferenças significativasentre negros e brancos no Brasil. A conclusão de que os negros rece-bem 60% menos que os brancos revela a face perversa do racismo. Arenda média mensal dos negros é de 170 reais, e a dos brancos, 400reais. Os negros respondem por 64% dos pobres e 69% dos indigentes.A taxa de analfabetismo entre os brancos com mais de 15 anos alcançaa média de 8,3%; já os negros amargam 19,8%. O desemprego, do mes-mo modo, denuncia a relação entre pobreza e racismo, já que a taxaentre os brancos é de 7,5% e entre os negros é de 11%.

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A trágica conclusão do IPEA – de que o Brasil branco é 2,5 mais ricoque o Brasil negro – invoca uma tomada de decisões estruturais com aadoção de políticas reparatórias e compensatórias que o governo brasi-leiro teima em não aplicar.

Por conta dessa situação, negros e negras se vêem obrigados a buscaros mercados de trabalho que os absorvem. São ambulantes, camelôs,trabalhadoras domésticas, feirantes etc., pois os empregos formais são,na sua grande maioria, reservados aos brancos.

Uma crítica fundamental às esquerdas – As esquerdas tratam osconflitos raciais de forma secundária e às vezes demagógica, embora jáseja possível identificar nas fileiras do pensamento marxista defensoresde que a luta do negro e a superação do racismo devem ser colocadascomo componentes da questão nacional. Mas, ainda assim, a luta donegro continua circunscrita ao povo negro e suas organizações. Os dis-cursos progressistas de membros dos partidos de esquerda parecem servirmuito mais para preencher uma lacuna programática dos seus partidosdo que uma posição estratégica e uma ação efetiva em prol da luta pelaigualdade racial e da justiça social.

O papel do negro na história do Brasil vem sendo secundarizado tantopelos progressistas (esquerda) como pelos conservadores (direita). Aesquerda identifica as manifestações de resistência dos trabalhadores apartir da chegada dos primeiros imigrantes brancos europeus. Muitosnão reconhecem o papel do trabalho negro como elemento estruturadore definidor do caráter da sociedade gestada no Brasil.

A raça à qual pertence o indivíduo norteia qualquer discussão quetenha como objetivo transformar o Brasil, ou seja, viabilizar políticas quea maioria da população necessita. Segmentos da esquerda insistem, ain-da hoje, em secundarizar estas questões, optando mais uma vez por dis-

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cursos genéricos sobre excluídos e trabalhadores, deixando de reconhe-cer que, para além das diferenças de classe, a discriminação racial épedra angular da manutenção de uma sociedade hierarquizada, anti-democrática e violenta, e que somente por meio de um projeto realmenteanti-racista poderemos promover um processo revolucionário e trans-formador em nosso país.

A recente Conferência Mundial realizada em Durban, na África doSul, evidenciou o que o movimento negro mundial vem afirmando hámuito tempo: o racismo, mais que uma ideologia, é uma categoriahistórica que vem ao longo de séculos determinando como a riquezae o poder são distribuídos no interior de cada sociedade e entre asnações. Neste sentido, a tragédia que se abateu sobre milhares denorte-americanos em 11 de setembro de 2001 não pode ser desvin-culada dos debates ocorridos durante a III Conferência Mundial, naqual os setores progressistas no mundo inteiro alertavam tanto para aurgência em combater os efeitos perversos do racismo como para omelhor caminho para a paz, e para a necessidade de quebrar a arro-gância de governos que baseiam sua hegemonia no quadro internacio-nal na suposta superioridade racial de suas sociedades predominan-temente européias.

É preciso, portanto, que nos debrucemos sobre a realidade interna doBrasil, pois não podemos mais desconhecer as desigualdades raciais quetêm sido fartamente documentadas. A Conferência de Durban produziuuma Declaração e um Plano de Ação que, pela primeira vez, colocam osafro-descendentes como uma das principais vítimas do racismo. Isto sig-nifica que os negros de toda a diáspora, e especialmente nós, afro-brasi-leiros, vamos lutar por essas reivindicações históricas.

Por todas as razões aqui expostas, é fundamental lutar por políticas pú-blicas que combatam a desigualdade entre brancos e negros e resgatem a

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dívida histórica com a população de origem africana no país, incentivandoa auto-organização do povo negro em suas comunidades, respeitando acultura e a religião de origem africana, e é fundamental lutar pela regulari-zação das terras remanescentes de quilombos no Brasil.

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45SOCIALISMO EM DISCUSSÃO

Peço licença para fazer duas ou três observações, já que os comentá-rios desenvolvidos por Benedita da Silva, Gevanilda Santos e Luiz AlbertoSilva Santos enriquecem a colocação do problema e suscitam algumasinterrogações.

Primeiro, de fato, os partidos políticos de base popular, o PT [Partidodos Trabalhadores] e os PCs [Partidos Comunistas], têm muita dificulda-de de lidar com a questão racial. Participei, nas vésperas da primeiracandidatura presidencial de Lula, em 1989, de um debate semelhante noqual me pediram para falar sobre a questão racial. E agora foi lembradoque no programa o problema não aparece. Isto é muito sério. Não é umacidente. Isso quer dizer que a ideologia racial do branco, dominante nopaís, impregna e envenena os partidos de esquerda. Intimida. Então é deboa compostura não se tocar no assunto e com isso se fica mais oumenos branco. Palatável.

É muito grave, porque isso significa uma infiltração da ideologia racial dobranco nos partidos de esquerda; os PCs sempre foram vítimas disso, coma agravante de que os PCs acreditavam que a questão racial estava auto-maticamente colocada em termos de classe. Os problemas da mulher, as

ComentáriosOctavio Ianni

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relações de gênero, as relações étnicas, as relações religiosas, todas esta-vam dissolvidas na questão de classes. Isso foi um gravíssimo equívoco daesquerda, inclusive por leitura equivocada do pensamento de Marx, por-que nas discussões que Marx faz sobre a escravatura no Novo Mundo,sobre a questão irlandesa e sobre problemas na Índia etc., fica sugerida aidéia de que a dimensão étnica faz parte da máquina da história. Ele não atrabalhou, mas a esquerda leu mal ou não quis prestar atenção.

Então apresento aqui um segundo problema. De fato, é preciso reve-lar para o próprio PT que ele tem sido vítima de uma sub-reptícia epervasiva invasão da ideologia racial predominante na sociedade brasi-leira, o que prejudica sua relação com a sociedade, com o povo, com ossetores subalternos.

E apresento um outro aspecto: não há democracia possível, e muitomenos socialismo – que a meu ver é simplesmente democracia social epolítica –, sem passar pela questão racial. Então, é mais grave. Temosde assumir a questão racial.

Aliás, estou convencido de que os partidos de esquerda têm uma visãoextremamente frouxa, para dizer o mínimo, da questão racial, da questãofeminina e da questão regional, que no Brasil são muito sérias. As diver-sidades regionais no Brasil são um instrumento fundamental de manipu-lação das elites, que fazem associações de cúpula com oligarquias daAmazônia, do Nordeste, com o capitalista, o empresário transnacionalde São Paulo e, de repente, o povo fica totalmente esquecido. Então,acho que são, no mínimo, três questões, além da questão operária, quecontinua fundamental: a racial, a de gênero ou feminina e a regional.Sem esses três itens o PT ainda não é o partido plenamente enraizado nasociedade, no povo, nos setores e classes subalternos.

É claro que há expressões notáveis por parte do PT e também deoutros partidos.

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Penso, com relação à esquerda, à questão racial – raça ou classe –,que o movimento negro precisa superar esse estado de espírito de consi-derar que a esquerda, oficial ou oficiosa, ou o marxismo, não é capaz delidar com a questão racial. Primeiro, do que eu conheço do pensamentode Marx e de outros, há subsídios notáveis. Segundo, por que o movi-mento negro deve ficar numa atitude de indiferença ou de crítica? Porque o movimento negro não assume uma tarefa que considero perfeita-mente possível: educar a esquerda? E mostrar a ela que sem a questãoracial a esquerda não é um movimento plenamente integrado na dinâmi-ca da sociedade e nas lutas sociais. Assim como o movimento negropode educar um pouco, ou muito, o PT, por que não imaginar que o mo-vimento negro pode educar a esquerda e contribuir para uma interpreta-ção, uma visão, uma compreensão, uma proposta dialética sobre a dinâ-mica da sociedade, sobre a resolução dos problemas da sociedade? Es-tou convencido de que é perfeitamente possível. Isto é, não devemostomar o que está dito no passado, e que se repete eventualmente nopresente, como algo definitivo ou intocável. Não, vamos discutir.

O movimento negro é um movimento social. Para que ele se transfor-me num movimento político é preciso que lute pelo poder. Não há outrasaída. Porque política significa poder e não há outro caminho por en-quanto senão os partidos, isto é, enriquecer, fortalecer, dinamizar os par-tidos de base popular com a força, o vigor do movimento social. Numaocasião, em um debate do qual participei, um jovem negro, de Osasco,pediu a palavra e disse: “Olha, eu sou do diretório de Osasco, e toda vezque eu levanto o problema lá, o pessoal vem com deixa disso”.

Isso coloca um problema interessantíssimo e difícil, que é educar oeducador. O PT tem uma missão pedagógica fundamental, mas precisaser mais educado. Precisa ser mais preparado, precisa ser alertado. Opotencial político do movimento negro é incrível. É muito grande. Mas

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desde que contemplado, desde que incorporado dentro de uma perspec-tiva realista, que reconheça a questão do preconceito, as intolerâncias,os desdobramentos do preconceito racial em termos de homem, de mu-lher, de jovens, de velhos etc., e reconheça simultaneamente a inserçãode todo e qualquer membro da sociedade e, se falamos os negros, detodos os negros, no que é a força de trabalho nacional.

Não há por que ter medo da questão de raça e classe. É isso mesmo.Não há saída. Não é classe e gênero. Não é classe e idade. Não é classedominante e classe subalterna. A classe não é uma categoria rígida,fechada, restrita à definição que um certo partido fez, como se ela esgo-tasse todas as realidades. Classe é um complexo de significados. A con-dição básica da classe é a inserção dos indivíduos, das coletividades noprocesso de trabalho. E é claro que aí entram negros e brancos. Entramíndios, imigrantes, diferentes categorias. É possível dizer que a questãofeminina tem suas especificidades. E tem. Que a questão do negro temsuas especificidades, não há dúvida, assim como a do imigrante, ou a doindígena. A questão operária tem sua especificidade, mas todas essasquestões fazem parte de algo fundamental na fábrica da sociedade, nadinâmica da sociedade e na transformação da sociedade: a questão so-cial. Ela engloba todos os elementos e, reconhecendo que a questãosocial é produzida pelas contradições sociais, então todos vamos nosirmanar na luta pela transformação da sociedade.

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CariocaSou diretor do Sindicato de Meta-

lúrgicos do ABC, da Comissão deCombate ao Racismo da catego-ria. Nós, do movimento negro, te-mos nos deparado há muito tempocom uma questão muito perigosa:o problema do negro é um proble-ma do povo, de todo o povo. Não éassim. Na verdade, o problema donegro tem uma questão específicacolocada e o debate de hoje ajudoua apresentar este tema.

Gostaria que se falasse da demo-cracia operária. Sabemos que o Es-tado socialista é um Estado novo,que está se apresentando para aconstrução. E se partirmos da pre-

Debate com o público

missa de que o problema do negroé o problema do povo, ou aguarda-mos esse Estado ser concretizado,ser construído, para depois vermoscomo nos inserimos nele ou, a par-tir de já, arregaçamos as mangas,cada um dentro de suas especi-ficidades, o portador de deficiên-cia, a questão do homossexual, damulher, do operário, do negro etc.É isso que está colocado para nósagora: construirmos esse Estado.Só que esse Estado, para ser cons-truído, parte de um princípio bási-co, a democracia operária. A de-mocracia está ou não madura paraesse debate, do ponto de vistaideológico? A democracia operá-

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ria está aberta para esse debate,para essa discussão?

Como é possível conciliar os in-teresses colocados para o negro,para deficientes, mulheres, operá-rios etc. dentro de um programapartidário? Do ponto de vista ideo-lógico, da concepção de Estadooperário, estamos ou não madurospara esse debate?

Tarcísio Geraldo Faria, do Co-mitê para a Democratização daInformática e do Fala Negão.

Muitas concordâncias, algumasdiscordâncias. Vou começar pelasdiscordâncias. O professor OctavioIanni afirmou que o Estado está di-vorciado da sociedade civil. Não seise é bem assim ou se é uma leituraque gostamos de fazer porque issonos facilita a reflexão. Acho quenão é bem assim. Se isso fosse ver-dade não teríamos políticas com-pensatórias, políticas afirmativas. Eaí entra a questão fundamental, quetemos de discutir: se essas políti-cas, ditas compensatórias ou alter-nativas, são reacionárias, neolibe-

rais, como considera parte da auto-denominada esquerda.

Se for assim, não temos mais saí-da. Lutamos pela construção de di-reitos, mas estamos dando cordapara nos enforcarem, é isso? En-tão não temos mais de lutar pelaconstrução de direitos, mas pela re-volução e ponto final. Não existealternativa sem ser a revolução? Ésocialismo ou barbárie? Quer dizer,quando lutamos por políticas afir-mativas, compensatórias, quandopressionamos, quando tensionamoso sistema capitalista, as classes do-minantes centrais, estamos dandocorda para nos enforcar? Queriaque vocês respondessem isso. Obri-gado.

Aparecido Alexandre da Silva,do Diretório do PT do bairro daSaúde, São Paulo, Capital.

Gostaria de apresentar uma ques-tão para o deputado Luiz Alberto epara o professor Octavio Ianni. Am-bos apresentaram a questão da ge-neralidade, da falta de discussãosobre a questão racial, e falaram

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também sobre a questão de gênero.Será que, com essa generalidade queestá acontecendo na sociedade bra-sileira e no nosso neoliberalismo, oPT não está sendo educado para ne-gar essas discussões, ou seja, paracolocar essas questões de formabastante genérica para que não le-vantemos essa polêmica?

Edmar SilvaSou sociólogo, professor da rede

pública estadual, estou na assesso-ria da Coordenadoria Especial doNegro e sou militante do movimen-to negro. Tenho duas questões. Al-guns anos atrás a atriz CamilaPitanga foi a referência de quasetodos os debates sobre relaçõesraciais, no que diz respeito à tonali-dade da cor da pele não ser neces-sariamente uma condição de iden-tidade racial. Então, me parece quese insistíssemos nesse debate am-pliaríamos a identidade racial e di-minuiríamos esse conflito entre odebate relativo a classe e raça.

A questão é que hoje temos con-cretamente, se não a democracia

de fato ou ideal, uma democraciapolítica. Mas isso não garantiu, so-bretudo para nós, negros e negras,igualdade de oportunidades e o fimda discriminação. Será que o socia-lismo é uma possibilidade de garan-tir oportunidades iguais para todosou viveremos mais uma grandecontradição? Muito obrigado.

Luiz Alberto Silva SantosSobre a questão, se entendi bem,

das generalidades que são postasno debate dentro do partido em re-lação à questão racial, eu digo mais:não existem generalidades. Nãoexiste o debate, não existe essa dis-cussão. E, para mim, uma questãoque não está relacionada de formatão nítida com isso, mas tem umarelação implícita, é a discussão dapossibilidade de uma aliança entreo PT e o PL [Partido Liberal]. O PL

hoje é um partido dominado poruma posição religiosa reacionária,chamada Igreja Universal, que é aprincipal corrente religiosa no Bra-sil que ataca as religiões afro-bra-

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sileiras. Eles começaram a invadiros terreiros de candomblé. A TV

Record, que é de propriedade des-sa Igreja, é um foco de ataque diá-rio, sistemático, às culturas e àsreligiões afro-brasileiras. Portanto,se ocorresse um debate mais pro-fundo conosco dentro do partido,essa questão não estaria sendo pos-ta neste momento.

Ou seja, nem generalidades nósestamos discutindo, senão provavel-mente haveria um diálogo entreessa possibilidade e o significadodisso em relação ao que o profes-sor Octavio Ianni chamou de povobrasileiro. Eu acho que essa ques-tão é fundamental.

Em relação à discussão sobre aspolíticas de ação afirmativa e sobrequem é e quem não é negro no Bra-sil, vale dizer que os poderosos sa-bem muito bem quem são os negrosno Brasil. Sempre me refiro a umlivro de João Ubaldo Ribeiro, Viva opovo brasileiro, em que há um per-sonagem que acha que não é negro– mas só ele acha isso. Todos osbrancos sabem que ele é negro, mas

como ele é um mulato claro, e elenão toma sol, fica achando que podeenganar, mas todos sabem. Colocoisso em razão dessa falsa polêmicade quem seriam os beneficiários deuma pretensa política de ação afir-mativa, de cotas, no Brasil. Quem se-riam esses negros? O sistema sabequem são os negros, a polícia sabequem são os negros. Não me preo-cupo com isso. Aliás, a possibilida-de de implementação de uma políti-ca dessas e de deixar que o negrose autodefina vai desmontar essaidéia do IBGE (Instituto Brasileiro deGeografia e Estatística) de dizer quenós somos 47% da população. So-mos muito mais do que isso. Então,não acho isso uma questão central.

Sobre a questão da democraciae da igualdade, o companheiro ar-gumentou corretamente. Os pou-cos momentos da história do Bra-sil em que tivemos a chamada de-mocracia formal não significarampara nós, negros, uma participaçãomaior ou menor na vida política esocial brasileira. Os negros sem-pre estiveram, em qualquer mo-

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mento, discriminados. Isso pode tersido pior num momento de regimemais fechado, de maior repressão.Mas, no momento da chamadadistensão ou da democracia, issonão significou uma inserção dapopulação negra nos instrumentosde operação da democracia. Issotem a ver com esse processo queestamos discutindo.

Então, a democracia formal nãoconsegue dialogar com as deman-das por democracia, com o tipo dedemocracia necessária para que apopulação negra tenha acesso, par-ticipe, opere os instrumentos. Quedemocracia formal é essa? Em quemomento, não só em partidos de es-querda, mas de modo geral, aumen-tou a participação dos negros nadisputa eleitoral nas casas legis-lativas? Em nenhum.

É preciso discutir, aprofundaresse valor chamado democraciaformal, burguesa, que às vezes va-lorizamos muito em certos momen-tos da história do Brasil, quando opovo teve um mínimo de participa-ção. Pois nesses momentos o povo

que não participou e não teve aces-so foi a população negra, mesmonos momentos mais democráticos,mais abertos, de Estado democrá-tico de direito, nós não tivemos par-ticipação efetiva.

Benedita da SilvaEstamos tratando da questão das

medidas de combate ao racismo.Existe algo colocado entre nós, queé uma tremenda contradição entreteoria e prática. Se a referênciaracial não está incorporada ao pen-samento da esquerda ou ao nossoprograma partidário, é porque nãoacumulamos internamente força su-ficiente para mudar isso.

Por quê? Será que estamos falan-do de extraterrestres? Não, estamosfalando de nós, da sociedade brasi-leira. Em minha fala inicial abordeia questão do comportamento, sobreo que nós reproduzimos. Muitas ve-zes os partidos, de direita ou de es-querda, não se diferenciam na for-mulação dessa política. Por quê?Porque somos nós, os seres huma-nos, que cometemos essa prática da-

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nosa e perversa do preconceito, doracismo. E isso nos incomoda, quan-do nos colocamos diante dessa dis-cussão. Não é só porque não temosuma correlação de forças necessá-ria, favorável, mas porque incomo-da. Precisamos garantir que essedebate incômodo não fique apenasna esfera da esquerda, porque osnegros que estão em movimentoquerem ocupar todos os espaços,têm esse direito, estão numa luta parasomar conosco.

Gostaria muito de colocar isso,porque senão há uma contradição.Sou negra, evangélica, do Partidodos Trabalhadores. Não abro mãode nada disso, ou então não há de-mocracia. Se não posso pensar,expressar meu pensamento sobreo que quiser, então não existe de-mocracia. Mas temos de ter umapolítica que possa diminuir a desi-gualdade social, dar combate aoracismo; não quero cair em con-tradição ao assumir uma represen-tação partidária no Executivo enão implementar nenhuma políti-ca de ação afirmativa.

Como evangélica que sou, e dasboas, eu fui procurar em Levíticoas questões de ações afirmativas.Gostaria de dizer a todos que nãoconfessam ou professam a mesmafé que a minha, que a Bíblia é umgrande best seller, e que a gentedeve procurar lá. E em Levítico vique os donos, proprietários das ter-ras, não eram totalmente proprie-tários, eles poderiam explorar a ter-ra só por seis anos. Quatro anosera para o trabalhador que estavaali com ele. Fui buscar alguma coi-sa, um referencial mais antigo, e láeu encontro que por quatro anos ti-nham o direito, e você não podiacolher nada que caísse, porque oque caísse no chão era para que ospobres pegassem, além do seu tra-balho, do seu salário.

Não é possível que ações afir-mativas para os brancos não te-nham sido questionadas até ago-ra. Branco está na escola, tem em-prego, salário, casa, um monte decoisas, e ainda tem direito à pre-servação de sua cultura. É vistocomo lindo, bonito, sábio e tudo

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mais, e nenhum de nós questionouessa ação afirmativa. É isso, éeqüidade que verdadeiramente te-mos que buscar para não sermosum movimento solitário.

Para finalizar, com relação àquestão de cotas, reparações eações afirmativas, temos de garan-tir o debate com a sociedade, e nãopodemos manipular seu pensa-mento majoritário. Acho que enri-quecemos o debate e crescemoscom ele, pois somos capazes de de-fender nosso ponto de vista na so-ciedade. E a sociedade discutecotas, sim; discute reparações eações afirmativas, que chamo deação de inclusão e de eqüidade.Não é possível que o Partido dosTrabalhadores não faça verdadei-ramente essa discussão, sob penade termos um encaminhamento,uma diretriz política que não tenhaabsolutamente nada a ver com oEstado que queremos. Quero verse com o Lula governando estepaís não teremos ações afirmati-vas. Enquanto não construirmosesse tal de socialismo, que tanto

esperamos e queremos, temos deconstruir algo que dê condição aotrabalhador negro, à trabalhadoranegra, de pensar que podem, sim,e que têm, sim, direitos. E para issoé preciso implementarmos políticascom viés de corte racial. Por issoas políticas públicas que defendotêm esse recorte.

No lançamento do ProgramaFome Zero afirmei que a fome e apobreza são literalmente negras efemininas. E que sabemos perfei-tamente que, do ponto de vista re-gional, são nordestinas. Então,diante desta constatação, não po-demos esperar o socialismo che-gar para implementarmos algumasações para retomar nossos direi-tos, direitos pelos quais pagamos– alguns com a vida, outros comseus impostos.

Gevanilda SantosNesse debate as minhas obser-

vações tiveram uma preocupaçãoque é a seguinte:

As estratégias apontadas peloMovimento Negro Brasileiro para

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combater o racismo cumprirão essatarefa? Essa é a questão?

Hoje a exclusão social do negrojá é reconhecida na sociedade e,em decorrência, se coloca a idéiados direitos à melhoria da sua con-dição social. Isso já está posto parao campo da esquerda?

Passados os últimos 30 anos,podemos dizer que o primeiro mo-mento da luta contra o racismo –de denunciar e de reivindicar di-reitos sociais – foi vitorioso. Ago-ra, nesse segundo momento, oMovimento Negro Brasileiro pre-cisa objetivar um novo patamarde diálogo com a sociedade bra-sileira. Estamos na fase de nego-ciar a implementação daquelasreivindicações para construir oque chamamos de condições so-ciais de igualdade.

Neste seminário sobre “o negroe o socialismo” estamos refletin-do sobre as possibilidades de re-distribuição das riquezas ou damelhoria das condições sociaispara todos os grupos étnicos, numcontexto onde o negro não é visto

como um segmento que tem direi-to a acessar aquelas riquezas.

Eu tenho dúvida se vamos che-gar a uma solução de redistribuiçãode riquezas para negros, para mu-lheres, para jovens, de uma formatranqüila e cordial. A inquietaçãodecorre da dúvida sobre qual é anegociação possível dentro do jogode forças políticas no contexto doneoliberalismo.

Vejamos, por exemplo, a situaçãodo negro na educação.

Eu pergunto: os negros têm di-reito à educação? Na sociedadeliberal o negro tem direito à edu-cação, sim. Porém sabemos quea educação pública é de péssimaqualidade.

Então, eu pergunto novamente: oque devemos fazer para instituir aigualdade de condições para o ne-gro na educação? Universalizar oacesso e a permanência em todosos níveis do sistema educacional oureformulá-la pedagogicamente paraincluir recortes de valorização his-tórica da população negra?

Vejamos outro exemplo.

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A Constituinte de 1988 tipificouo racismo. A frente parlamentarconstituinte liderada pelo deputadoCaó (PDT-RJ) definiu que o racis-mo é crime. Segundo a Lei Caó,qualquer cidadão que sofre a dis-criminação racial tem direito à Jus-tiça. Muito bem. O sistema jurídicobrasileiro está preparado para ga-rantir esse direito? A resposta énão. O máximo que se consegue éo registro da queixa-crime e, depois,os processos são arquivados.

O direito à Justiça conquistadotem apenas uma função simbólica.

Existe uma proposta de inclusãoda população negra a partir da idéiade favorecer pequenos grupos ouuma determinada cota populacional.O diálogo está muito difícil, no en-tanto é necessário e legítimo.

As forças liberais que estão nopoder absorvem as demandas so-ciais, mas implementam muito pou-co. E aí eu proponho um debate paraaveriguarmos quais forças políticasserão capazes de implementar me-didas necessárias para combater aoracismo. As forças políticas no cam-

po da sociedade capitalista liberal?As forças aliadas no marco de umasociedade socialista? Quais forçaspolíticas estão mais vinculadas aosmovimentos sociais, portanto maisabertas à democracia interna e àdefesa da auto-representação da-queles movimentos? Qual gestãopública implementará políticas so-ciais com recorte de gênero e raça?Ou serão políticas específicas parauma pequena parcela dentro de umsegmento excluído? E, por fim, oMovimento Negro já possuiu acú-mulo de força política suficientepara garantir a efetivação dos di-reitos da população negra?

Se não detivermos o controle doprocesso de implementação, cor-remos o risco de ver a demandaser absorvida, sobretudo comouma forma de minimizar a con-tradição sociorracial e pouca pers-pectiva da construção de um ima-ginário socialista.

Octavio IanniAcho que a idéia de Estado ope-

rário, de democracia operária, já

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está superada. Temos hoje umacontribuição muito importante nodebate sobre o problema da mulher,o problema das várias etnias, osvários movimentos religiosos – hápaíses em que os problemas lin-güísticos são importantíssimoscomo fontes de tensões. Então jáestá posto que a sociedade socia-lista que se pode construir vai con-templar, necessariamente, todasessas dimensões. Claro que cabereconhecer que – se vivemos numasociedade que é capitalista, burgue-sa, de classe, em que a riqueza estádistribuída de modo profundamen-te desigual – existe um dilema, umelemento fundamental, que permeiatodas essas relações: a questão dotrabalho, da alienação do trabalha-dor. E o trabalhador não é alguémabstrato, é um negro, um imigran-te, uma mulher, um menor, umacriança, conforme os casos, ou emmuitos casos.

Então há um elemento unificadorda questão social, que galvaniza to-das as outras facetas que estãoinseridas na dinâmica trabalho–ca-

pital. É claro que alguns não que-rem pôr em causa o sistema, a or-dem estabelecida, consciente ou in-conscientemente, então argumen-tam que a questão do trabalho, dasclasses, não é central, o preconcei-to racial é fundamental. Atenção,há um contrabando aí, porque onegro não é uma abstração, o ne-gro é um trabalhador. O índio é umtrabalhador, o imigrante é um tra-balhador. A mulher é uma traba-lhadora. É preciso reconhecer quehá essa inserção. Se queremosapenas aperfeiçoar a ordem bur-guesa, o neoliberalismo, então tudobem, não se põe a questão das clas-ses, porque de fato a questão declasse é radical, põe em causa aordem estabelecida. Eu vejo assim.

Nada impede que as lutas sociaise seus movimentos alcancem vitó-rias paulatinas, progredindo no sen-tido da democratização das rela-ções sociais, da participação nacultura etc. Isto tem acontecido,com retrocessos freqüentes. Mas,se queremos propor algo que sejamais substantivo e implique a eman-

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cipação universal, envolvendo todasas categorias sociais, não há dúvi-da de que é preciso recolocar o pro-blema das classes.

A questão das classes hoje estáposta em caráter mundial, em âm-bito mundial. Por trás da questãoreligiosa e da questão étnica hásempre a questão social, a questãotrabalho–capital. São muitos os imi-grantes na Europa, oriundos daÁfrica subsaariana, de populaçõesnegras ou árabes, ou da Àsia, oude outras partes, que são trabalha-doras e vítimas de superexploração,como trabalhadores e como imi-grantes, como árabe, como negro,como mulher etc.

É claro que essa síntese é incô-moda, não porque seja complicada,mas porque ela é radical, isto é, põea questão de que esta sociedadenão é capaz de resolver os proble-mas da maioria da população, queenvolve alienação, pauperismo, po-breza, miséria, marginalidade etc.

O divórcio entre o Estado e a so-ciedade no Brasil é profundo e evi-dente. Não é preciso nem fazer

pesquisa, basta ler os jornais, ouviras informações. E eu repito: é umexemplo apenas, mas não é o úni-co. A reforma do sistema de ensi-no que se realiza no Brasil e emvárias nações em todos os conti-nentes é uma reforma proposta, in-centivada, financiada e exigida peloBanco Mundial. A única tarefa doministro da Educação, Paulo Rena-to de Souza, é traduzir do inglês parao português, sem nunca dizer queestá traduzindo, sem nunca infor-mar ao povo, à opinião pública, queestá apenas implementando diag-nósticos e diretrizes que são formu-lados pelo Banco Mundial.

Com relação à Igreja, não há dú-vida de que historicamente ela temum papel decisivo. A Igreja, comodiria Gramsci, tem sido um intelec-tual orgânico das classes dominan-tes em todos os continentes ondeestá. Mas nada impede que o povoeduque a Igreja, e tem havido vá-rios movimentos notáveis no senti-do de educar a Igreja. Não há dúvi-da de que existe uma diferença con-siderável entre o papa João XXIII e

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o papa João Paulo II. Hoje temos,por exemplo, dom Pedro Casaldáliga[bispo de São Félix do Araguaia,MT], que sempre teve uma atuaçãonotável. Há muitos que estão inspi-rados nos movimentos sociais tra-tando de educar a Igreja.

Acho que o que fazemos nessesdebates é ajudar os partidos a seeducarem, em especial os que têmcompromisso com os setores subal-ternos – o PT e os vários movimen-tos, sindicatos e partidos que têmeste compromisso. Não se trataapenas de fazer uma proposta oude elucidar um ponto, mas de nosreeducarmos. Será que nós, uns eoutros, negros e brancos, membrosde movimentos, de universidades,de partidos, temos convicções quesão anacrônicas, que são equívo-cas? São bem intencionadas, mui-to bem intencionadas, mas equívo-cas? É preciso submeter nossasconvicções ao mínimo de crítica,porque elas podem nos induzir auma atuação ou a defender posi-ções que são anacrônicas, ou in-sustentáveis do ponto de vista da

dinâmica da sociedade. Nesse sen-tido, considero que o movimentonegro tem uma tarefa pedagógicamuito importante, ou seja, contribuirpara que o partido, e a esquerda emgeral, se reeduque, incorporando aquestão racial. Isto é fundamental.

Mas, simultaneamente – e é umrisco dizer isso –, o movimento ne-gro precisa se reeducar, superareste dilema que foi posto, com ra-zão, no passado, mas que pode sersuperado, ou seja, de que o marxis-mo ou a esquerda e a questão ra-cial são incompatíveis. Não. Nadadisso. É um problema de equa-cionamento. Na verdade é possí-vel encontrar formulações novas eenriquecedoras, mesmo porque nos-sa tarefa não é só repetir o que sa-bemos ou o que está nos escritosou nas experiências; é contribuirpara novas propostas, diferentes al-ternativas. Não é o caso de mos-trar ou relembrar, mas são muitasas experiências históricas de dife-rentes nações que demonstram queé possível avançar em conquistassociais inventando novas propostas,

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novas perspectivas: na Nicaráguasandinista; em Cuba desde 1959; noChile, uma experiência lindíssimaesmagada pela Guerra Fria, pelo im-perialismo. São experiências notá-veis, diferentes, alternativas, quemostram a fecundidade do movi-mento social.

Cabe lembrar que em nossa inde-pendência, em 1822, quando se reu-niu a Assembléia Nacional Cons-tituinte nesse período, discutiu-selongamente quem era brasileiro,quem era cidadão brasileiro. Houveum debate, descrito por José HonórioRodrigues em um livro sobre aConstituinte de 1823. Claro que oresultado foi afirmar que todos, ín-dios, escravos, negros livres, todoseram brasileiros. Mas cidadão bra-sileiro, isso é outra coisa. Aí entra oproblema da propriedade, de ser al-fabetizado etc. E continuamos namesma. Todos somos brasileiroshoje, mas em diferentes níveis, emdiferentes categorias.

Há um problema que me fascina,e que está em aberto. A sociedadeburguesa, de mercado, competitiva,

ou seja, a sociedade em que vive-mos, transforma em estigma os tra-ços fenotípicos das pessoas, suascaracterísticas físicas, suas marcas– sexo, cor, tipo de cabelo, tipo denariz, cor da pele. Esse é um gran-de dilema.

Acontece que o preconceito é umapoderosa técnica de dominação, decontrole e dominação social. Então,transformar a marca em estigma éuma poderosa técnica de adminis-tração do outro. Como quebrar isso?É difícil. É preciso transformar amáquina da sociedade. A fábrica dasociedade precisa ser transformadapara que todos possamos ser diver-sos, diferentes, plurais e para que adiscriminação não nos atinja. Não hádúvida de que é um problema com-plicado. Qual é o segredo dessa es-tranha e diabólica máquina da socie-dade que transforma os traços fe-notípicos, as marcas, os elementosàs vezes imponderáveis, em estig-mas? Isto está na fábrica da socie-dade. Inegavelmente, a sociedadeburguesa é uma poderosa fábrica deintolerância, de discriminação. Mes-

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mo porque intolerância, discrimina-ção, preconceito são poderosas téc-nicas de controle e dominação.

Geralda, do PT do Centro, SãoPaulo, Capital

Acompanhando o debate, pare-ce que há uma dicotomia entre aluta pelo socialismo e a resoluçãodos problemas pela raiz, e essa lutadiária pelas conquistas. Na verda-de essa discussão que coloca asduas coisas como excludentes é fal-sa. O teor da luta dos trabalhado-res é o mesmo. Temos de combi-nar a luta pelo socialismo com a lutacotidiana por melhorias eventuais.Falamos muito em cotas, em políti-cas reparatórias, mas falamos pou-co de políticas pedagógicas. Gos-taria de saber se o movimento ne-gro tem discutido com os governosdemocrático-populares sobre usarmecanismos institucionais para ter-mos uma ação real na formação dementalidades, pois sem isso as po-líticas reparatórias não se consoli-dam. As possibilidades que os go-vernos têm para isto são enormes,

e não só para os negros. Isto tam-bém não é feito para as mulheres,por exemplo. Enfim, a questão é:como é feita essa conversa com osExecutivos sobre formas concretasde operar na formação das menta-lidades, por meio da televisão, demateriais pedagógicos que são man-dados para as escolas, da forma-ção de professores, de livros peda-gógicos etc.?

Paulo HenriqueSou advogado e moro na cidade

de Leme (SP). Também quero to-car nessa questão da tão faladacontradição – que, também do meuponto de vista, é falsa – entre ascotas, as políticas de ação afirma-tiva e a questão do socialismo. Gos-taria de levantar dois pontos.

Sabemos muito bem que essaspolíticas públicas estão em um con-texto liberal, mas a população ne-gra não está preocupada com isso,ela quer ver o resultado, e o resul-tado imediato. Então como fica essanossa responsabilidade? Do meuponto de vista, de certa forma, a

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vice-governadora respondeu muitobem a isso. Mas não sei se essaposição é a da maioria do movi-mento negro dentro do partido ouse é pessoal.

E um outro ponto que gostariade levantar em relação aos mili-tantes da questão racial no parti-do é sobre a timidez da posiçãodessa tendência militante partidá-ria em relação à ação dos possí-veis companheiros de partido.Precisamos começar a colocarisso de uma forma um pouco maisdura, porque denunciamos muitobem a direita, que é racista, e nãodenunciamos a esquerda, que àsvezes também é racista. Não ve-mos muitas nomeações de secre-tários, de companheiros negrosnos nossos governos. É impossí-vel, hoje, pensar em qualquer go-verno que se estabeleça com aausência da mulher, e não se dis-cute essa presença do negro den-tro do governo. Essas políticas de-veriam ser desenvolvidas, e nãohá denúncia disso na militâncianegra partidária.

Alexandre SantanaSou secretário do movimento po-

pular e sindical do município deGuarulhos (SP). Lá o governo mu-nicipal é do Partido dos Trabalha-dores. Nunca o município de Gua-rulhos teve uma política de com-bate ao racismo. Pela primeira vezvemos na peça orçamentária de2002 uma política de combate aoracismo. É preciso ressaltar queGuarulhos é a segunda maior ci-dade do estado em população e aterceira em arrecadação. No totaldo orçamento previsto para 2002,900 milhões de reais, temos orça-dos 50 mil reais para o combateao racismo. Isso é só um detalhe,porque essa política de combate aoracismo, essa peça orçamentária,está atrelada ao Fundo Social deSolidariedade do município deGuarulhos. E o movimento negrodo município vem lutando há dezmeses para que possamos come-çar a implantar a Coordenadoriado Negro, da comunidade negraem Guarulhos, sem um caráter as-sistencialista. Cinqüenta mil reais

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representam em torno de 4 milreais por mês, para uma popula-ção de 58% de afro-descenden-tes, ou seja, aproximadamente 600mil afro-descendentes do municí-pio. É muito pouco. Isso, para mim,significa que precisamos urgente-mente fazer uma discussão verda-deira dentro do partido sobre aquestão racial.

WeberMoro na Cidade Tiradentes, uma

das regiões da periferia da cidadede São Paulo mais afastadas. Cos-tumo dizer que lá fizeram a mesmapolítica de bantus da África do Sul,nos jogaram num dos lugares maisdistantes do centro.

Faço parte do Núcleo CulturalForça Ativa, uma organização ju-venil. E, na minha condição de jo-vem, um dos mecanismos que te-nho, por exemplo, é fazer a músicarap. Mas há uma tendência no mo-vimento hip hop, por causa dosmeios de comunicação, de viraruma mercadoria e perder seu ca-ráter de resistência, até porque o

hip hop é um movimento criadopelos negros, pela juventude negra.Mas hoje a coisa tende para oprofissionalismo, tirando essa visãode luta.

Na concepção de vocês, o quepoderíamos fazer para procurarresgatar a cultura hip hop comoum movimento de resistência e decontribuição para um processo deeducação?

José Mauro CasemiroSou presidente do diretório zonal

do PT do bairro da Saúde [São Pau-lo, Capital]. O grande debate quetemos na sociedade, hoje, é a ques-tão da exclusão social. A grandemaioria da população está excluídada sociedade, por conseqüência osnegros também. Gostaria que osdebatedores se posicionassem emrelação a essa questão. Ou seja, aquestão da inclusão social, das di-tas políticas compensatórias, é umdebate que está se travando na so-ciedade e internamente no partido.Então queria saber, do ponto de vis-ta dessa discussão do negro e do

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racismo, da própria questão do so-cialismo, como os debatedores ana-lisam esse tema.

Gilson NegãoSou da sociedade comunitária

Fala Negão, da Zona Leste de SãoPaulo, e também do jornal Consci-ência Negra. Acho que é neces-sário que tenhamos no PT uma novavisão racial sobre essa questão deraça e classe. No último encontrodo PT, por exemplo, havia várias te-ses para debate, mas em todas elashavia muito pouca coisa sobre aquestão racial. Esta é uma visãoque temos realmente que transfor-mar no partido.

Cláudio PastorSou do PT de Mauá (SP), secre-

tário de Combate ao Racismo domunicípio. Gostaria de fazer umareflexão. Já ouvi alguns prefeitosdo PT, quando provocados em re-lação ao espaço da comunidadenegra em seus governos, dizeremque o Movimento Negro precisaformar quadros para ocupar deter-

minados espaços no governo. E éclaro que isso não é verdade, te-mos quadros, sim. Aqui mesmo,nesse plenário, se fizermos umapesquisa, vamos encontrar váriosquadros capazes de ocupar diver-sos espaços nos governos.

Fico pensando: será que todos osbrancos que estão nos secretaria-dos, nos cargos de primeiro esca-lão, têm essa capacidade? Porque,pelo que nós entendemos, o negro éobrigado a ser Ph.D, formado, donodisso, daquilo, professor universitá-rio, ter um monte de cursos paraocupar algum espacinho no gover-no. Mas, quando se escolhem pes-soas brancas, a cobrança em rela-ção à “competência” parece menor.

Essa discussão desemboca naquestão das coordenadorias. Osnegros começam a fazer um mo-vimento dentro do PT e, quando sevai discutir plano de governo, logoalguém diz: “Olha, eu vou lhe daruma coordenadoria, fica quietinhoaí que eu lhe dou uma coordena-doria”. A coordenadoria soa paramim como um brinquedinho para

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aquele moleque chorão que ficaazucrinando a mãe. Qual é a dis-cussão para se criar essa coorde-nadoria? Qual é o orçamento paraessa coordenadoria? Qual é a suaformulação política, qual a sua es-trutura para funcionar?

GóesSou do Núcleo Cultural Força

Ativa e faço parte do MSU (Movi-mento dos Sem Universidade).Acho que precisamos deixar maisclaro sobre o que estamos falando,pois às vezes parece que se fazuma confusão entre socialismo,socialdemocracia e outras coisas.Precisamos discutir mais a fundo,pois em nenhum momento se to-cou aqui na questão da proprieda-de privada, dos meios de produção.Acho que socialismo é isso, tomaros meios de produção. Se formosconsiderar o que Engels dizia no li-vro A origem da família, da pro-priedade privada e do Estado, aexploração e a desigualdade surgi-ram com a propriedade privada,então nos cabe discutir se o fim

dessas coisas acontecerá com o fimda propriedade privada.

Com relação a políticas de cotase outras ações afirmativas, tenhouma preocupação que se relacionanovamente com a questão de clas-se. Por exemplo, se tivermos umacota de 10% para os negros na USP

[Universidade de São Paulo], quemserão esses 10%? Temos que dis-cutir isso também.

Pergunto se os parlamentares,nossos companheiros que elegemosdo PT, não têm capacidade de dis-cutir alternativas além da cota. Te-mos o exemplo do MSU, que apre-sentou o projeto de universidade po-pular e apenas um vereador abra-çou a causa, em nível municipal. Setivermos uma universidade na Ci-dade Tiradentes, bairro da perife-ria de São Paulo onde quase 100%da população é negra, não há ne-cessidade de ficar discutindo cotas.

Jorge Luiz Aparecido MateusSou de Campinas. Milton San-

tos, que foi pouco lido pela acade-mia, seja USP, seja Unicamp, dizia

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que, no caso do Brasil, a marcapredominante é a ambivalênciacom que a sociedade branca do-minante reage quando o tema é aexistência no país de um proble-ma negro. Essa equivocação étambém duplicidade e pode ser re-sumida no pensamento de auto-res como Florestan Fernandes,Octavio Ianni. Para nós, feio não éter preconceito de cor, mas mani-festá-lo.

Então, minha pergunta é dirigidaa Luiz Alberto Silva dos Santos,Benedita da Silva e Gevanilda Go-mes Santos. Se o Movimento Ne-gro deve superar-se, educar a es-querda e o PT e, sendo um movi-mento social que vai lutar pelo po-der político, não seria o caso datransformação do Movimento Ne-gro em partido político? Como va-mos implantar um partido negro esocialista no Brasil hoje? O quevocês acham dessa sugestão, comomulheres e negras brasileiras, já quetodos nós, juntos, temos uma tare-fa a cumprir e vamos cumprí-la dequalquer maneira.

Clara CharfSou militante do movimento re-

volucionário brasileiro desde a Se-gunda Guerra Mundial, e quando foieleita a primeira bancada comunis-ta, na Constituinte de 1946, haviaum deputado negro, foi o único – emuita gente nem sabe disso, só ficasabendo olhando a foto: Claudinoda Silva.

A esquerda de um modo geral,ao longo da história, nunca traba-lhou essas questões. Mas me ale-gro de estar em um partido, o PT,que pelo menos formou os se-toriais15. Vamos fazer brevemen-te uma reunião de todos os seto-riais do partido: negros, mulheres,jovens, deficientes físicos etc. etc.,o que é novo na história da esquer-da. Só há um paralelo, do qual sou-bemos há poucos dias, de um se-tor da esquerda em Israel, que nosvisitou aqui na sede do PT, forma-do também por setoriais, porqueem geral a esquerda não se orga-niza assim.

Há um problema muito importan-te para a auto-estima tanto da mu-

15. De acordo com o artigo121 do Estatuto do Partidodos Trabalhadores, setoriaissão “instâncias partidáriasintegradas por filiados queatuam em determinadaárea específica, com oobjetivo de intervir partidari-amente junto aos movimen-tos sociais organizados”.

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lher como do negro: a questão daauto-educação. O movimento ne-gro não trabalha uma coisa muitoimportante, que é a história de seuslutadores e lutadoras negros. Issoé fundamental para o processo deauto-estima, porque, quando vemosa relação de homens e mulheresque lutaram para transformar essasociedade, desde tempos antigosaté agora, desde o tempo da escra-vidão, é muito pouco o que foi re-cuperado. Não há um grande tra-balho de resgate dessas figuras. Porexemplo, na história dos lutadorescontra a ditadura militar há váriosnegros, inclusive Marighella, quenunca foi resgatado pelo movimen-to negro especificamente, a não serem poucos exemplos, como figuranegra, lutador que deu a vida paratransformar essa sociedade.

Há muitas mulheres também. Osetorial de mulheres deve fazer um

levantamento das mulheres quemorreram assassinadas pela dita-dura. Quando vemos a história doslutadores, há muitos negros, masa ditadura militar – aliás, a ditadu-ra não, a classe dirigente – diziaque quem lutou contra ela foramapenas os filhos de pequenos bur-gueses, frustrados, que por issoentraram na luta armada etc. Masquando pesquisamos vemos quemuitos eram trabalhadores e mui-tos, negros.

A proposta que quero fazer épara que o movimento negro – naluta que a esquerda trava para co-locar a questão da discussão deraça, de gênero etc. – utilize es-sas figuras como fonte de inspira-ção e de confiança para mostrarque essas pessoas têm a mesmacapacidade, o mesmo valor, na lutapara transformar essa nação emuma nação socialista.

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Octavio IanniDebates como este, que ocorrem

em diferentes contextos, em dife-rentes lugares, têm a função fun-damental de fazer que nos cons-cientizemos da grande importânciado problema racial, que se relacio-na com vários outros problemas dasociedade. Provavelmente daí poderesultar um novo programa em queessas questões não entrem apenascomo nota de pé de página, mascomo itens importantes, já que po-dem ser cruciais para um projetode democracia. Por enquanto te-mos uma democracia nos quadrosda ordem social estabelecida. Creioque ela contém espaços conquis-

táveis, mas desde que haja essacontínua tradução daquilo que é osocial em político em propostas quetenham a ver com uma redefiniçãodo poder.

Na minha interpretação estamos,em debates como este, trabalhan-do no sentido de recuperar o diálo-go entre a sociedade civil e o Esta-do. Como o Estado – e o governo– se divorciou da sociedade civil,estamos trabalhando para nos tor-narmos um pouco mais conscien-tes dessa realidade e para assumir-mos, como disse o barbudinho doséculo XIX, para nos conscientizar-mos, nos organizarmos e nos mo-vermos a fim de educarmos dura-

Respostas

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mente o Estado. Não há outra saí-da. Há que educar duramente oEstado. Isto é, pôr os governantes,o aparelho estatal, as instituições di-ante dos desafios que tenham a vercom as inquietações da sociedadecivil. Com isso vamos avançando nosentido da democracia, não só polí-tica ou formal, mas também social.

Gevanilda SantosSão muitas perguntas e vários

questionamentos. Isto já é um ter-mômetro para começarmos a refle-tir sobre a influência do MovimentoNegro junto aos partidos políticos, eparticularmente junto ao PT.

Quero lembrar aqui um sensocomum da cultura política bra-sileira.Toda vez que se discute arelação negro/poder ou negro/es-querda o discurso traz implícito aidéia dos negros como um seg-mento populacional minoritário.Diante da refutação de que elessão uma maioria populacional logovem a réplica. Não se está falan-do da dimensão numérica, e simdo ponto de vista da sua força po-

lítica. As mulheres e os negros sãodenominados de minorias, porquetêm pouca força e expressão polí-tica no poder.

Essa idéia como ponto de parti-da é interessante. Por um lado eladesafia o movimento negro atransformar a quantidade em qua-lidade. De outro ela impõe às ins-tituições partidárias compartilharteoria e prática relativa à demo-cratização do poder de forma agarantir a rotatividade dos grupossociais no poder.

Penso que essa idéia diz respei-to à democratização do poder nosocialismo. Outra decorrência éque o poder quando conquistadodeve servir para promover a dis-tribuição das riquezas. A democra-cia não se explica apenas na áreapolítica, mas também na área eco-nômica e social.

Essa idéia nos remete a uma dis-cussão interessante para avaliarmosem que medida o Partido dos Tra-balhadores conseguirá transformaras reivindicações, já apontadas nes-te seminário, em políticas públicas.

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Sabemos que se as forças e/ougovernos levarem à risca os objeti-vos dos seus programas sociais elesvão chegar na ponta, isto é, na pe-riferia e vão atingir a população ne-gra. Sabemos também que todoprograma social com recorte deraça e gênero interessa à popula-ção negra.

O acúmulo de força política doMovimento Negro resultou na re-gulamentação dos chamados Con-selhos Institucionais.

Nos anos 1980 eles foram consti-tuídos no âmbito federal desde ogoverno Sarney (1985-1990), no es-tadual a partir do governo Montoro(1983-1987) e no município de SãoPaulo teve início no governo deLuiza Erundina (1989-1992).

Aí coloco outra discussão. Esseórgão institucional tem cumprido oseu objetivo que é a defesa dos di-reitos da população negra?

Cada um encontrará sua respos-ta. A nossa objetividade maior éencontrar soluções para o negro noBrasil por meio de políticas de maio-ria, e não de minoria. Essa é a dis-

cussão que a meu ver está subja-cente à questão da política afirma-tiva no Brasil.

No recente período histórico oMovimento Negro se mobilizou paraprotestar e denunciar o racismo, elefoi vitorioso. Tivemos mobilizaçãoem 1988 no período do centenárioda Abolição, em 1995 no tricen-tenário de Zumbi dos Palmares, em2000 nos 500 anos de resistêncianegra, indígena e popular, em 2001na Conferência de Durban, Áfricado Sul. A negociação com o poderconstituído decorrente dessa mobi-lização nacional resultou em quaisestratégias? Na institucionalizaçãode organismo de representaçãopolítica, na plataforma de ação pordireitos sociais e na formação decomissões técnicas de cooperaçãointerministerial que nessa fase atu-al têm o papel de administrar aimplementação das chamadas po-líticas de ação afirmativas para apopulação negra no Brasil.

Então, nesse contexto, é muito im-portante indagar se há uma alterna-tiva para o negro fora do socialis-

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mo. Se sim, as observações apon-tadas aqui nos permitem avaliar seas estratégias até então desenvolvi-das estão sendo eficazes para com-bater o racismo. Se não, podemosafirmar que o sistema alternativo ca-paz de combater o racismo é o so-cialismo, então o Movimento Negrodeverá aproximar-se mais da sua ex-pressão teórica e prática. Esse é ocaminho. Este seminário está en-fatizando essa alternativa.

Axé com raça e com classe.

Benedita da SilvaQuero agradecer ao Partido dos

Trabalhadores, ao Instituto Cidada-nia, à Fundação Perseu Abramo edeclarar minha satisfação em terparticipado deste momento com osprofessores Octavio Ianni e Geva-nilda Santos e com o nosso deputa-do Luiz Alberto, com a interme-diação de Flávio Jorge Rodrigues daSilva. Meus profundos agradeci-mentos às nossas bases petistas eàqueles que não são do PT, mas queestão conosco hoje assistindo a estedebate. O que colocamos aqui teve

por objetivo contribuir com essa ini-ciativa inédita no Partido dos Tra-balhadores e também neste debatesobre socialismo.

Eu dizia para o nosso deputadoLuiz Alberto que o PFL fez um de-bate dessa natureza, sobre a ques-tão racial, há alguns anos e fui con-vidada, mas não compareci na épo-ca porque estava realmente nummomento muito acirrado de dispu-ta do Movimento Negro com omeu posicionamento, que é aque-la contradição que nós temos. Fa-lamos que é importante eleger umnegro e, quando o negro está elei-to, ele passa a não estar mais re-presentando, ele leva para colocarcomo projetos de lei e defender asbandeiras que acumulou na lutadurante a sua militância, e o Mo-vimento também se organiza, vaiem cima e começa a perguntar:quem te autorizou? Quer dizer, éuma esquizofrenia existente, masnós até entendemos. Então naque-la época eu não participei do de-bate por conta disso, mas nem porisso deixamos de ver um partido

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73SOCIALISMO EM DISCUSSÃO

político tomando a iniciativa, por-que é isso que nós queremos, queo negro, em qualquer lugar, estejarealmente organizado e buscandoseu espaço.

Quanto a nós que somos de umpartido de esquerda, também deve-mos ter a compreensão de que so-mos ainda uma grande vanguarda,de que a maioria da população nãoestá nem em partido político, nemno sindicato, nem em associação demoradores, mas há uma outra for-ma de organização na qual é preci-so introduzir essa questão racial, quese movimenta durante todo anomuito mais do que os nossos parti-dos políticos, nossas associações demoradores e vários movimentossociais: as escolas de samba.

Quer dizer, elas trabalham em tor-no disso, são milhares de negrosque estão ali envolvidos. As esco-las fazem samba que faz homena-gem e fala da questão racial, é umverdadeiro livro de história do Bra-sil que a história oficial não conta,e no entanto não existe de nossaparte um trabalho que possa, nessa

organização, não impor as coisasda gente, mas ter uma participaçãomais efetiva.

Cuido muito de fazê-lo naqueleespaço onde estou. Eu o colococomo um espaço de militância edou a contribuição para as mulhe-res e para o Movimento Negro on-de estiver; diz-se que o artista de-ve ir aonde o povo está. Como te-nho ido aonde o povo está e soupovo, também temos de uma cer-ta forma trabalhado para que hajaum grande debate, uma grande dis-cussão, e por isso é muito saudá-vel este debate, para que o Parti-do dos Trabalhadores seja verda-deiramente a referência para todoesse universo que trabalhamos.

E de que forma o Partido dos Tra-balhadores será essa referência?Havendo de nossa parte a com-preensão de que precisamos estarnesses movimentos dentro da or-ganização já existente, estaremoscolocando nossa cunha, mas de for-ma a sermos parceiros. E levandoem consideração que o Partido dosTrabalhadores precisa, como os de-

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mais partidos, que esse debate te-nha um grande desdobramento.

Então, é preciso existir uma par-ceria do PT com os diferentes mo-vimentos sociais e organizaçõesexistentes da sociedade com o Exe-cutivo e o Legislativo. Por quê?Porque deve existir uma harmonia.O Partido dos Trabalhadores, em quepesem todos os questionamentos quetemos feito, é o partido que tem amaior bancada negra e a maior ban-cada de mulheres no Brasil.

É importante que estejamos como Partido dos Trabalhadores nes-se desafio, para que no próximoprograma do PT essa questão pos-sa estar inserida para valer, comoresultado de um compromisso as-sumido por nós, porque dentro dasnossas tendências cada um buscagarantir a presença de nossa re-presentação. Os Setoriais foramcriados, mas ainda não consegui-mos fazer que não tenham apenasuma representação, mas que tam-bém possam votar, possam real-mente formular políticas que nãosejam aceitas apenas no Diretório

Nacional. Políticas que estejamformuladas para ser introduzidasnas questões de políticas públicaspara as nossas administrações, depolíticas e temas para serem de-batidos pelo conjunto do Partidodos Trabalhadores.

Acreditamos fielmente que estedebate tenha dado ao PT umacontribuição muito grande; já como desdobramento da SecretariaNacional de Combate ao Racis-mo iremos complementar o docu-mento, porque não só “vale o queestá escrito”, mas valem tambémos compromissos que teremos deassumir dentro das nossas forçaspolíticas e na direção, para queessas políticas sejam verdadeira-mente implementadas em nossasadministrações e possam servircomo experiência para outros par-tidos, como têm servido nossasexperiências de Bolsa Escola, deRenda Mínima.

Quero crer que essas são açõesde inclusão e passam a ser tambémações afirmativas na medida emque tenham esse recorte, porque,

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apesar de não termos algo pronto eacabado nesse sentido, não somos,como eu já disse, extraterrestres,mas militantes, temos um acúmulo,uma história.

Quando nos pronunciamos, acre-dito que não estamos sós: estamosimbuídos do espírito e do acúmuloque tivemos com a nossa militância;levantamos essa bandeira e legis-lamos até em causa própria porqueo que estamos falando aqui é o quequeremos para o PT.

Precisamos que o Instituto Cida-dania faça esse desdobramento eque as forças políticas no PT pos-sam levar a questão racial como umcompromisso. Sabemos que, no Par-tido dos Trabalhadores, quando in-troduzimos a política de cotas, estafoi a forma de dar visibilidade à pre-sença da mulher na formulação po-lítica e, embora não tenha sido umaunanimidade entre todas nós, enten-demos que foi um mecanismo queestimulou e fez avivar na memóriados nossos companheiros que ascompanheiras também tínhamoscondições de estar na direção des-

se partido. E foi muito bom, estougostando demais de ser da Executi-va do Partido dos Trabalhadores por-que tem sido um instrumento paradizer às mulheres, inclusive, que esseé também o partido delas.

Quero também dizer que não po-demos ficar só na denúncia. NoMovimento Negro tivemos duasgrandes fases: a primeira foi a dapreservação cultural e se aprovei-taram muito do fato de estarmoslevantando a bandeira cultural, enão disputando o poder. Quando onegro começou a associar a defe-sa dos seus valores culturais com aconquista do poder, começamos aincomodar. Mas entramos em umdenuncismo sem limite, que, quan-do chega a hora do vamos ver, jus-tifica o fato de constatarmos: nãotemos quadros! Porque como nãoestamos sempre participando e dis-putando no debate político outrostemas que não os dos negros, derepente parece que só sabemos tra-tar de assuntos dos negros.

É por isso que a Secretaria re-almente tem o papel de, junto co-

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nosco, formular uma política ra-cial para o Partido dos Trabalha-dores. E nessa instância, que con-sideramos oficial e tem nosso res-paldo, por dentro do partido, apre-sentar documentos para seremdebatidos por nossos pensadorese nossas pensadoras.

É preciso fazer isso. O PT preci-sa ter uma política de ação afirma-tiva; acho que as cotas para mu-lheres foram uma política de açãoafirmativa. Agora é preciso traba-lhar a questão racial. Todas as pes-soas me perguntavam: “Vocês ti-veram no PT a cota para as mulhe-res; vão ter as cotas para os ne-gros?”. Eu não tenho esse acúmulo,não vi em nenhum momento essaquestão de cotas para os negros serlevantada. Mas quando ela for le-vantada, vou apoiá-la como instru-mento que vai estimular o debate.

Acho que o hip hop, no seu mo-vimento, tem contribuído demais.Eu o considero um dos movimen-tos de maior consciência hoje. Maseu dizia para o Luiz Alberto: nóstrabalhamos aqui uma questão so-

cial tremenda, o pessoal do hiphop também quer acontecer, tam-bém quer ter salário. É precisocompreender um pouco isso parafortalecer o movimento, para quenão tenhamos que sentir a ausên-cia dos que saem para ganhar di-nheiro na televisão, por exemplo.O hip hop é um grande movimen-to que pode nos ajudar no comba-te ao racismo.

A bancada do Partido dos Tra-balhadores em Durban [III Con-ferência Mundial contra o Racis-mo, a Discriminação Racial, a Xe-nofobia e as Formas Conexas deIntolerância] não brincou em ser-viço. Pelo contrário, ela foi ati-vista em todos os sentidos, estásendo convidada para participardo pós-Durban por causa dos mi-litantes do Partido dos Trabalha-dores e de nossos parlamentaresque lá estiveram. E eu quero par-ticipar disso, como uma pessoaque foi presidente da Conferên-cia Nacional, foi para Durban, fezparte do comitê oficial de gover-no com a aquiescência do Parti-

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do dos Trabalhadores e por meupapel no movimento social, noMovimento Negro, no Parlamen-to e também no Executivo.

Quero dizer também que preci-samos fortalecer cada vez mais oPartido dos Trabalhadores, e essaé uma forma de fortalecê-lo. Seique temos muitas críticas para fa-zer, mas também temos muito acontribuir. A flexibilização do aces-so é um dos motivos pelos quais te-mos de nos pautar para discutir aquestão de ação afirmativa, eqüi-dade ou cotas ou reparações.

Acho que temos, sim, algumasações que já estão sendo implemen-tadas e que, como eu já disse, sefor colocado esse recorte, o Parti-do dos Trabalhadores vai sair nafrente, e não temos que temer apostura do governo federal. Querosaber qual vai ser a nossa postura,o que está colocado como deman-da para o PT. Que estamos no ca-pitalismo não é novidade, que o pro-jeto é neoliberal também não. Masé nesse processo que existimos eexiste o Partido dos Trabalhadores,

e é nele que vamos disputar na so-ciedade civil um projeto diferentedo neoliberal.

Então, é neste momento que pen-so que poderemos, com exigência deconteúdo, dar nossa contribuição.

Luiz Alberto Silva SantosTambém considero este como

um momento muito importante,fundamental, quando o PT convo-ca a todos para um debate estra-tégico: o negro e o socialismo noBrasil. Acho que isso dispara umdebate que por si só já se revelouaqui, em que há uma intensa polê-mica. Deveremos continuar apro-fundando isso. Disse anteriormenteque tanto o amor como o ódio nãoforam ainda suficientes para nosseparar e não vão ser suficientes;pelo contrário, esta relação de-monstra a perspectiva que nós, mi-litantes do Movimento Negro, mi-litantes do PT, temos do ponto devista de que é dada a necessidadede transformar o Brasil.

Precisamos ter um outro país,uma outra sociedade para incorpo-

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78 O NEGRO E O SOCIALISMO

rar todos, a diversidade brasileiratem de ser expressa nesse projeto.Somos negros, somos brancos, so-mos índios; portanto, essa diversi-dade não pode servir como elemen-to de desigualdade no tratamentodas questões no nosso país.

Sobre a questão de como os go-vernos populares, particularmenteos do PT, as administrações muni-cipais, estaduais, têm levado essaquestão, a resposta é: na verdade,não têm levado. Isso é a expressãodo que debatemos aqui, da falta deuma compreensão do partido e daesquerda de um modo geral sobrea questão racial. Ou seja, se essa éa compreensão que ainda persisteno partido, é evidente que isso vaise expressar nas administraçõesmunicipais e estaduais.

Eu, particularmente, a partir deum documento gerado no FórumNacional de Entidades Negras paraa conferência mundial na África doSul, tenho feito uma peregrinaçãopelas administrações do PT. Che-go lá, sento com o prefeito, e digo:“Olha, tem algumas questões em

que o município pode ajudar”. Éevidente que há resistência de umsecretário, de uma secretária, masa idéia é pressionar. Vamos fazer adiscussão de forma cada vez maispública; não quero fazer discussãode gabinete. Quero total exposiçãodo secretário, do prefeito, da pre-feita; ele vai ter que dizer se topaou não topa, se aquela demanda domovimento é correta, importante ounão. Então, o papel que estou cum-prindo é o que os nossos parlamen-tares, a nossa militância, têm de fa-zer com as administrações.

Sobre a questão dos quadros, élamentável essa visão que foi men-cionada. Na verdade, infelizmente,os nossos quadros não estão pos-tos à exposição nas paredes. Nos-sos quadros existem, estão aí.Quando se fala que não temos qua-dros, tem-se uma concepção dequadros para trabalhar numa admi-nistração municipal ou estadual.Temos muitos quadros; alguém ci-tou o Milton Santos, por exemplo,ele não é um quadro? Foi um qua-dro importantíssimo. Citaria outros

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79SOCIALISMO EM DISCUSSÃO

quadros importantes, mas infeliz-mente não se enquadram na mol-dura. Temos muitos quadros noBrasil que são competentes.

Sobre a questão levantada pelocompanheiro de o Movimento Ne-gro tornar-se partido político, achoque pela própria origem do PT, porsua própria base social, o PT pode-ria ser o nosso CNA (Congresso Na-cional Africano). O Lula poderiaser o nosso Nelson Mandela; masentre poder ser e construir essapossibilidade e querer ser existe umprocesso muito intenso.

É impressionante termos de afir-mar que não podemos mais ser orodapé do programa, das formula-ções internas do partido. Mas issovale para o Brasil inteiro; observea Bahia. A Bahia é o estado maisnegro do Brasil, 90% da populaçãode Salvador é negra, mas não seconsegue, na elaboração de um pro-grama de governo para a disputana sociedade, expressar isso; é umacoisa gravíssima.

Em relação ao que o professorOctavio Ianni disse sobre o Movi-

mento Negro ter um papel educa-dor, lembro que os dados estão aí,a realidade está aí. Então eu nãopreciso pegar ninguém pela mãopara mostrar que existe uma rea-lidade, é fácil a percepção da rea-lidade do mundo do trabalho. Masé fácil a percepção da realidadedo mundo da população negra?Não, não é.

Quando se discutiu a questão dascotas para mulheres, não se levan-tou tanta polêmica como se levan-ta em relação à cota para os ne-gros. Mas resumir o debate a issoé rebaixar demais o debate da ques-tão racial brasileira. Não podemosnos restringir a ações políticas pon-tuais aqui e acolá.

Defendo que o PT precisa apre-sentar para a população brasileiraum programa que diga: nós vamosresgatar dívidas que essa socieda-de tem com a população negra bra-sileira. É um programa denso, nãosão “politicazinhas” específicasaqui e acolá. É um programa den-so como aquele que apresentouNelson Mandela quando ganhou o

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governo: o programa de reconstru-ção e desenvolvimento da Áfricado Sul, que era exclusivamente outotalmente vinculado ao resgate dapopulação negra naquele país.

Somos a segunda maior popula-ção negra do planeta, temos de daruma resposta. Aquilo que aconte-ceu na conferência da África do Sulfoi lamentável: a delegação brasi-leira, do governo brasileiro (FHC)não tinha negros, um absurdo.

Esse debate inaugura uma faseimportantíssima do partido. Queroque ele se reflita nos próximos de-bates no PT. Espero que seja umprocesso que não tenha interrup-ção, pois se trata de um debate so-bre aquilo que considero fundamen-tal para apontar os caminhos parauma nova sociedade no Brasil. Con-cordo com a Benedita da Silva

quando diz que num debate sobre aquestão negra e o socialismo nãodeve haver só negros na mesa.Acho que o nosso presidente tinhaque estar aqui, participando do de-bate; nosso futuro candidato a go-vernador de São Paulo tem de es-tar aqui discutindo conosco. E to-dos deveriam pensar: quero parti-cipar de um debate sobre o negro eo socialismo; quero participar dodebate do programa econômico;quero participar do debate sobre asmulheres e o socialismo; sobre omeio ambiente e o socialismo. Que-ro ter uma visão global daquilo quevamos construir, não quero depar-tamentalizar essa discussão. Achoque o PT tem de pegar isso comouma questão ampla, global, e nãocomo uma coisa localizada e, decerta forma, de gueto.

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81SOCIALISMO EM DISCUSSÃO

Sobre os autores

Octavio IanniProfessor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas

da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). Formou-se em ciências sociais naUSP, onde fez mestrado, doutorado e livre-docência. Foi professor em uni-versidades brasileiras, entre as quais a Pontifícia Universidade Católica deSão Paulo (PUC-SP) e a Universidade de Campinas (Unicamp), e em paísescomo México, Estados Unidos, Espanha e Itália.

Algumas de suas obras são: Cor e mobilidade social em Florianópolis (1960,em colaboração), Homem e sociedade (1961), Metamorfoses do escravo (1962),Industrialização e desenvolvimento social no Brasil (1963), Política e revolu-ção social no Brasil (1965), Estado e capitalismo no Brasil (1965), O colapsodo populismo no Brasil (1968), A formação do Estado populista na AméricaLatina (1975), Imperialismo e cultura (1976), Escravidão e racismo (1978), Aditadura do grande capital (1981), Revolução e cultura (1983), Classe e na-ção (1986), Dialética e capitalismo (1987), Ensaios de sociologia da cultura(1991), A sociedade global (1992), Enigmas da modernidade-mundo (2001),Desafios da globalização (2002) e Capitalismo, violência e terrorismo (2004).

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Benedita da SilvaGraduada em estudos sociais, iniciou carreira pública em 1982, quando foi

eleita vereadora na cidade do Rio de Janeiro. Em 1986, elegeu-se deputadafederal e participou da Assembléia Nacional Constituinte, em que atuou comotitular da Subcomissão dos Negros, das Populações Indígenas e Minorias.Em 1994, tornou-se a primeira mulher negra a ocupar uma vaga no Senado.Foi eleita vice-governadora do Rio de Janeiro em 1998 na chapa de AnthonyGarotinho e assumiu o governo em abril de 2002. Em 2001, presidiu a Con-ferência Nacional de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobiae Intolerâncias Correlatas, que reuniu mais de 10 mil pessoas de todo país,entre lideranças de ONGs e governos. Em 2003, foi ministra da AssistênciaSocial do governo Luiz Inácio Lula da Silva.

Gevanilda SantosGraduada em história e mestre em sociologia política pela Pontifícia Univer-

sidade Católica de São Paulo (PUC-SP). É professora na Faculdade de Comu-nicação da Fundação Armando Álvares Penteado, em São Paulo, dedica-se apesquisa no campo das desigualdades sociorraciais e é coordenadora da SowetoOrganização Negra, uma entidade do movimento negro paulista. Em 2003 par-ticipou do projeto editorial Race and Democracy in the Americas, em co-autoria com pesquisadores brasileiros e norte-americanos, organizado porGeorgia A. Persons (Transaction Publishers, New Brunswick, New Jersey).

Luiz Alberto Silva Santos Deputado federal pelo PT/BA. Sua trajetória política iniciou-se na década de

1970, em atividades de organização de associações de moradores, movimentospopulares e sindicatos em diversos bairros de Salvador. Ainda nos anos 1970,foi um dos membros fundadores do Movimento Negro Unificado (MNU) naBahia. Em seu terceiro mandato de deputado federal (2003-2006), agrega aessas lutas a defesa do meio ambiente e dos direitos humanos.

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Programa do terceiro ciclo de seminários Socialismo e Democracia, realizado no segundo semestre de 2001

Os seminários foram promovidos pelo Instituto Cidadania, pela Fundação Perseu Abramoe pela Secretaria Nacional de Formação do Diretório Nacional do PT

15 de outubro – Segunda-feira14:00 horasA luta pelo socialismo no século XXIExpositor: Marco Aurélio Garcia – Secretário de

Cultura da Prefeitura de São Paulo/SP.Debatedores:

Juarez Guimarães – professor da UFMGValter Pomar – 3o vice-presidente do PT

18:30 horas

22 de outubro – Segunda-feira14:00 horasO negro e o socialismoExpositor: Octavio Ianni – professor da USPDebatedores(as):

Benedita da Silva – vice-governadora do Rio de JaneiroGevanilda Santos – Soweto – organização negraLuiz Alberto Silva Santos – Deputado Federal PT/BA,militante do Movimento Negro unificado

5 de novembro – Segunda-feira14:00 horasO meio ambiente e o socialismoExpositor: Jorge Viana – governador do AcreDebatedores:

Gilney Amorim Viana – Deputado Estadual PT/MT eSecretário Nacional de Meio Ambiente e Desenvolvi-mento/PTEgídio Brunetto – Direção nacional do MST

12 de novembro – Segunda-feira14:00 horasA mulher e o socialismoExpositora: Maria Moraes – professora da UnicampDebatedoras:

Clara Charf – Coletivo da Secretaria Nacional deMulheres/PTTatau Godinho – Coordenadoria de Mulheres daPrefeitura de São Paulo/SPVera Soares – Elisabeth Lobo Assessoria – ELAS

19 de novembro – Segunda-feira14:00 horasA religião e o socialismoExpositor: Patrus Ananias – Ex-prefeito de Belo

Horizonte/MGDebatedores:

Gilmar Machado – Deputado federal PT/MG, Integran-te do Movimento Evangélico Progressista/MEPLuiz Alberto Gomes de Souza – Sociólogo – CERIS/RJ

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Leia também da coleção

1o ciclo

Globalização e socialismoMaria da Conceição Tavares, Emir Sader e Eduardo Jorge

Classes sociais em mudança e a luta pelo socialismoFrancisco de Oliveira, João Pedro Stedile e José Genoíno

Economia socialistaPaul Singer e João MachadoO indivíduo no socialismo

Leandro Konder e Frei BettoInstituições políticas no socialismo

Tarso Genro, Edmílson Rodrigues e José Dirceu

2o ciclo

Orçamento participativo e socialismoOlívio Dutra e Maria Victoria Benevides

Poder local e socialismoCelso Daniel, Maria Silva, Miguel Rossetto e Ladislau Dowbor

Socialismo e globalização financeiraReinaldo Gonçalves, João Sayad, Ronald Rocha e Tânia Bacelar

Sindicatos, cooperativas e socialismoFernando Haddad, Ricardo Antunes, Gilmar Mauro e Gilmar Carneiro

Revolução tecnológica, internet e socialismoLaymert Garcia dos Santos, Maria Rita Kehl, Walter Pinheiro e Bernardo Kucinski

Socialismo em discussão

O negro e o socialismo foi impresso em São Paulo pela Gráfica Bartira emjaneiro de 2005, ano do V Fórum Social Mundial, realizado de 26 a 31 dejaneiro na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. A tiragem foide 3 mil exemplares. O texto foi composto em Times New Roman no corpo11,5/13,3/95%. A capa foi impressa em papel Cartão Carta Íntegra 222g; omiolo foi impresso em Offset 75g.